Como a vida do grande mestre da arte barroca brasileira se relaciona com sua doença
Maria Carolina Cristianini Publicado em 17/11/2016, às 00h01 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h35
Uma ossada guardada numa caixa de zinco na igreja Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto, Minas Gerais, esconde um grande segredo do barroco brasileiro. Pertencentes a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, os ossos contêm a explicação para um aspecto obscuro de sua vida – que doença, afinal, justificaria os estranhos comportamentos de um dos artistas mais talentosos do período?
Segundo o dermatologista Geraldo Barroso de Carvalho, da Universidade Federal de Juiz de Fora e que em 1998 exumou os restos mortais do artista, a cor dos ossos sugere que Aleijadinho teria uma doença metabólica chamada porfiria. Caracterizada pela sensibilidade exagerada à luz, a síndrome explicaria atitudes como o artista só sair para trabalhar antes do amanhecer, viver coberto por um toldo, voltar do trabalho só depois de a noite cair e, nas poucas vezes em que aparecia durante o dia, estar sempre a cavalo – em disparada e totalmente coberto.
Até hoje, a explicação para essas esquisitices era a de que ele queria esconder o corpo deformado pela hanseníase – doença que também tinha. O dermatologista, porém, discorda da teoria. Para ele, Aleijadinho, na verdade, fugia do sol, pois a exposição aos raios causaria bolhas e cicatrizes em sua pele, podendo chegar à mutilação. As prováveis causas da doença vão desde a hereditariedade até o alto teor de ferro presente na água na região mineira em que viveu. Mas, para o médico, a razão seria outra. “Nada impede que Aleijadinho tenha sofrido de hepatite C, por causa da vida promíscua que levava. A partir dela, a porfiria teria se desenvolvido.” Segundo Rodrigo José Ferreira Bretas, seu principal biógrafo, enquanto a saúde permitiu, Aleijadinho frequentava muitos bailes e tinha fama de namorador, perdulário e beberrão. O artista teria morrido, porém, por outro motivo. Relatos de sua nora, Joana Araújo Correia, fazem o dermatologista crer em um AVC (acidente vascular cerebral).
A confirmação das teorias de Carvalho depende, porém, de outra exumação. A cova do artista, morto em 1814, foi aberta em 1930. Nela, além dos restos de Aleijadinho, havia dois outros esqueletos. Exames sugerem que os avermelhados eram dele. Mas, para ter realmente certeza, é preciso um teste de DNA com os restos do pai, Manuel Francisco Lisboa. Para isso, o médico aguarda o auxílio de uma entidade que possa coordenar a pesquisa.
É provável que as doenças de Aleijadinho tenham se refletido em sua obra. O fato foi notado já pelo escritor Mário de Andrade, que, ao estudar o barroco mineiro, constatou duas fases do artista: uma sã, caracterizada pela serenidade e clareza, e outra de enfermo, em que surge um sentimento gótico e expressionista. Um dos melhores exemplos das obras pré-enfermidade é a igreja São Francisco de Assis, em Ouro Preto. A construção, iniciada em 1766, contou com arquitetura, escultura, talha e ornamentação do artista e merece destaque pela portada, uma de suas obras-primas. Apesar de as manifestações de suas doenças terem aparecido em 1777, Aleijadinho pode ter tido poliomielite na infância – e essa seria a real origem de seu apelido.
Mesmo com o aparecimento da hanseníase, aos 47 anos, e a mutilação de boa parte dos dedos, Aleijadinho continuou produzindo com instrumentos amarrados às mãos. A serenidade é deixada de lado e surgem obras de inspiração misteriosa, como os 12 Profetas em pedra-sabão de Congonhas, Minas Gerais. Os profetas têm deformações anatômicas (como o polegar sem poder de pinça) que, para o médico Geraldo Barroso de Carvalho, são uma autoprojeção do mestre. Nas biografias do artista, as razões para o fato variam entre a colaboração (menos talentosa) de ajudantes e a ideia de que eles representam a Inconfidência Mineira – para o sociólogo Gilberto Freyre, as deformações mostram a revolta contra os dominadores da colônia.
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