Vitrine de loja de judeu quebrada após a Noite dos Cristais - Bildarchiv Preussischer Kulturbesitz
'A Noite dos Cristais'

Alemanha: Há 86 anos, acontecia a 'Noite dos Cristais'

Pogrom de novembro de 1938, também conhecido como 'A Noite dos Cristais', foi o prenúncio do Holocausto; relembre!

Matheus Alexandre* Publicado em 09/11/2024, às 09h00 - Atualizado às 18h33

A Noite dos Cristais (Kristallnacht), também conhecida como a Pogrom de Novembro de 1938, foi o auge de uma série de políticas antissemitas promovidas pelo regime nazista ao longo daquele ano.

Em outubro, o regime havia intensificado a perseguição, ordenando a expulsão forçada dos judeus poloneses sem cidadania alemã que viviam no Reich. Entre os deportados estava a família de Herschel Grynszpan, um jovem judeu polonês de 17 anos que vivia na Alemanha desde 1911.

Impedidos pela Polônia de retornar, esses judeus foram obrigados a permanecer em condições precárias em um campo de refugiados próximo a Zbaszyn, na fronteira entre a Polônia e a Alemanha.

Desesperado com a situação da família, que enfrentava uma situação de extrema precariedade, Herschel, que era refugiado em Paris, foi à embaixada alemã em 7 de novembro de 1938 e, em um ato de desespero, atirou contra Ernst vom Rath, um diplomata alemão.

Fotografia de Ernst vom Rath / Crédito: Domínio Público

 

Esse gesto se tornaria um estopim que, inflamado pela propaganda nazista, desencadearia uma onda de violência sem precedentes, conhecida como a Noite dos Cristais.

A Noite dos Cristais

O Partido Nazista utilizou a morte de vom Rath como pretexto para instigar o antissemitismo. Dois dias depois, em 9 de novembro de 1938, Adolf Hitler, sob a orientação de Joseph Goebbels, autorizou as Tropas de Assalto (Sturmabteilung, SA) a iniciarem um ataque coordenado contra a comunidade judaica, com o apoio das Tropas de Proteção (Schutzstaffel, SS) e das Juventudes Hitleristas.

A violência começou ao anoitecer de 9 de novembro e se estendeu até a tarde de 10 de novembro, atingindo não apenas a Alemanha, mas também a Áustria, que já estava anexada pelo regime.

Goebbels, que era ministro da propaganda, fez um discurso responsabilizando os judeus pela violência e sugeriu que o governo não interviria para impedir represálias contra os judeus alemães. Assim, a violência se espalhou por toda a Alemanha e territórios ocupados, com as forças policiais e bombeiros deliberadamente omissos.

O historiador Guy Miron destaca alguns aspectos marcantes desse pogrom que não podem ser esquecidos:

1. Estima-se que mais de mil sinagogas, locais de culto para o judaísmo, foram incendiadas por toda a Alemanha e Áustria, centenas de residências destruídas e cerca de 7.500 lojas e empresas de proprietários judeus atacadas, com suas janelas e vitrines reduzidas a pedaços — é daqui a origem do termo "cristais quebrados", evocando os estilhaços que cobriam as ruas, simbolizando a brutalidade e o vandalismo direcionados à comunidade judaica.

Rastros de destruição  por parte dos nazistas na Alemanha / Crédito: The Weiner Library

 

2. Milhares de judeus foram espancados e humilhados publicamente, com relatos de estupros de mulheres judias, apesar das leis raciais que proibiam relações entre "arianos" e judeus.

3. Além dos cerca de 100 judeus assassinados, aproximadamente 30.000 homens judeus foram presos e enviados, em sua maioria, para campos de concentração como Dachau, Buchenwald e Sachsenhausen. Esse ato, no entanto, era parte de uma estratégia que visava forçar os judeus presos e suas famílias a emigrarem da Alemanha de forma imediata.

O fim do pogrom não foi o fim do pesadelo dos judeus europeus.

Pós-Kristallnacht

Após a Noite dos Cristais, os nazistas endureceram ainda mais as medidas antissemitas. O processo de expropriação das propriedades judaicas foi intensificado; a comunidade judaica foi forçada a pagar uma multa de um bilhão de reichsmarks, supostamente em "compensação" pela morte de vom Rath; e foi criado o Escritório Central para a Emigração Judaica com o objetivo de "incentivar" a saída dos judeus do país.

A Europa Ocidental e os Estados Unidos condenaram o pogrom, mas mantiveram suas fronteiras fechadas aos judeus, que, diante de tamanha violência, não tinham para onde ir.

Apesar do horror, como observa Georges Bensoussan, os nazistas não consideraram a Noite dos Cristais uma vitória. A brutalidade aberta desse 'antissemitismo emocional' logo deu lugar a uma máquina de ódio ainda mais implacável: o antissemitismo burocrático, calculado e 'racionalizado'.

Quatro anos depois, a 'Solução Final' surgiria como um processo meticuloso de destruição legal e administrativa, em oposição à violência caótica do pogrom. O pogrom de novembro de 1938 foi o prenúncio do Holocausto.

A partir daquela noite, seis milhões de judeus nunca mais veriam o sol nascer. Transportados como carga para campos de extermínio, seriam assassinados em câmaras de gás e incinerados em crematórios gigantes. Para eles, a Noite dos Cristais jamais terminou.

Na contemporaneidade, cabe a nós não tratarmos esse evento apenas como um capítulo nos livros de história. Devemos tratá-lo como um lembrete vivo: 'Nunca mais' é um dever ético!


*Matheus Alexandre, sociólogo, pesquisador sobre antissemitismo contemporâneo na Universidade Federal do Ceará e professor da StandWithUs Brasil.


O texto foi proporcionado pela StandWithUs Brasil, instituição que trabalha para lembrar e conscientizar sobre o antissemitismo e o Holocausto, de maneira a usar suas lições para gerar reflexões sobre questões atuais.

 

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