“Isso é uma fantasia deles sobre o Brizola", disse o jornalista Flavio Tavares na época em que os documentos foram divulgados
Coluna - André Nogueira, historiador Publicado em 02/05/2021, às 09h00
Em abril de 1967, líderes da OEA se reuniram no Uruguai para realizar a Cúpula das Américas, reuniões que incluíam o há pouco instaurado governo militar brasileiro. Depois das disputas internas pós-golpe, o marechal Arthur da Costa e Silva tornou-se presidente do Brasil, comandando a comissão nacional nesse encontro.
Foi nessa ocasião que o ditador poderia ter morrido, segundo a CIA, se concretizado um plano pouco conhecido de ataque e assassinato. Fato é que pouco menos de um ano antes, houve um atentado a bomba que quase matou Costa e Silva num aeroporto em Recife.
Então ministro do exército e principal nome cotado para substituir Castelo Branco, o integrante da Linha Dura sobreviveu ao ataque da Ação Popular, núcleo de extrema-esquerda, ao contrário do secretário pernambucano Edson Régis de Carvalho e do vice-almirante Nelson Gomes.
O clima de derrota era real, pela sobrevivência do tirano, o que incentivou a formação de novos planos. Dentre esses, o que ocorreria na Cúpula das Américas nunca aconteceu, pois a organização voltou atrás.
Porém, o que é curioso deste caso é o possível comando do principal alvo tanto das ditaduras latino-americanas quanto da inteligência estadunidense: Leonel Brizola, ex-governador trabalhista e líder da resistência ao golpe brasileiro de 1964.
De acordo com documentos da CIA divulgados em 2017, conforme repercutido pelo GHZ em 2017, teria sido ele o planejador do ataque em Punta del Este. Brizola já estava envolvido com a resistência à instauração da Ditadura Militar.
Em 1961, antes do golpe concretizado, armou a população civil gaúcha para resistir à derrubada de João Goulart, chegando a expropriar as armas da Taurus (em São Leopoldo) para suprir a causa.
Segundo a inteligência dos EUA, em memorando da CIA sobre o evento, "Leonel Brizola, um líder extremista brasileiro exilado, escapou da vigilância uruguaia. Brizola pode estar planejando algum ato de violência contra o presidente brasileiro quando ele visitar Punta del Este, embora pareça mais provável que ele tentaria provocar o governo de Brasília, encenando algum incidente envolvendo terroristas ou guerrilheiros no Brasil", conforme repercutido pelo artigo 'RS na mira da CIA', do Zero Hora.
Alvo da CIA na época, Brizola era parte da ala mais radical dos trabalhistas no exílio, o que sustentaria a ideia de ele teria planejado o atentado contra Costa e Silva. Porém, o dado é bastante questionado e abre espaço para debate.
De acordo com a agência yankee, o ex-governador era suspeito de participar de sabotagens contra o evento no Uruguai, além de representar perigo à própria comitiva estadunidense liderada pelo presidente Johnson.
Nos papéis, o Engenheiro Leonel aparece descrito como “não-confiável”. A participação de Brizola no comando do plano é tema ainda polêmico e, pela ação nunca ter sido efetivada, é difícil averiguar esse tipo de informação.
Aliados e pessoas que viveram próximos ao trabalhista questionam sua cumplicidade: “Isso é uma fantasia deles sobre o Brizola. Em março de 1967, ele já começava a abandonar a ideia da guerrilha no Brasil. Ele defendeu insurreição armada, mas não com atentados”, disse Flavio Tavares (jornalista que trabalhou ao lado do governador nos anos 1960) em fala ao portal GZH no ano de 2017.
O mesmo imagina o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, que já trabalhou em casos ligados às tramas contra o antigo PTB, ao afirmar que, mesmo plausível a participação de Leonel, ele “não entraria em uma fria” (pois as chances de fracasso eram pululantes).
Fato é que a CIA e os EUA tinham Brizola como principal alvo do continente. Nacionalista, esquerdista, aliado a Cuba e a Argélia, defensor das expropriações e nacionalizações e contra as ditadiras pró-EUA, o ex-governador era uma chama anti-imperialista que ameaçavam os planos de Washington.
Assim, foi alvo de espionagem desde os anos 1950, o que também implicou em especulações supervalorizadas que podem dar origem a esse tipo de confusão. É possível que a agência de inteligência tenha associado o nome de Brizola ao atentado de maneira precipitada por medo de suas capacidades de ação política.
Após Caparaó e a desistência de Jango em resistir, até os planos de retorno a Porto Alegre para o reavivamento da Campanha da Legalidade já tinham caído por terra. Brizola entraria em seus mais tristes anos de depressão política no Uruguai.
Talvez, o político sequer tivesse conhecimento sobre essa conspiração contra Costa e Silva, mesmo podendo ser simpatizante da ideia caso contrário, mas para a CIA, sua presença na trama parecia óbvia. “Nunca foi do estilo do Brizola praticar atentados pessoais. Alguém pode ter tido essa ideia estapafúrdia, a CIA descobriu e culparam ele”, aponta Jorge Ferreira, professor da UFF.
André Nogueira é historiador, formado pela USP (Universidade de São Paulo).
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