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Peste, fome, tecnologia: a morte negra

Peste, fome, tecnologia: a morte negra

Juliana Tavares Publicado em 01/11/2005, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

Em outubro de 1347, uma passageira clandestina chegou ao porto de Messina, na Sicília, Itália, escondida nos navios de uma frota genovesa vinda da Criméia (onde hoje fica a Ucrânia). Seu nome era Pasteurella pestis, uma bactéria que matava em pouco tempo e que se espalhou rapidamente. A doença que ela provocava logo levou a uma pandemia e recebeu o nome de Peste Negra. A conseqüência de sua entrada na Europa foi simplesmente devastadora: a morte de cerca de 34 milhões de pessoas, ou seja, um terço da população do continente.

Naquele verão, em Florença, cadáveres empilhavam-se nas portas das casas e nas ruas e o cenário de desespero não demorou a se espalhar pelo resto da Itália, França, Portugal, Espanha, Inglaterra, Egito, Síria, Palestina, Alemanha e por último a Rússia, por volta de 1351. Nas axilas e virilhas dos contaminados, surgiam protuberâncias (os bubos) do tamanho de um punho, seguidas do aparecimento de manchas negras pela pele. Dos corpos saía um odor repugnante, e nenhum dos tratamentos populares da época, como a sangria e as poções de ervas, tinha utilidade. A morte chegava entre quatro e sete dias após o início dos sintomas e atingia suas vítimas por meio das pulgas dos roedores – havia muitos insetos e ratos nas casas de camponeses e castelos, com poucas condições de higiene (na época, lavar com sabão ainda era um hábito caro). A população, contudo, acreditava que a doença transmitia-se pela respiração e, para afastar o “ar ruim”, os médicos recomendavam que se queimasse madeira perfumada com almíscar ou louro e que o chão fosse borrifado com vinagre e água de rosas. “Não havia ninguém para enterrar os mortos, fosse por dinheiro ou amizade”, disse o italiano Adnolo di Tura em um texto que escreveu sobre a doença em 1348 depois de enterrar os cinco filhos, vítimas do mal. As origens do surto de peste no século 14 são controversas. A teoria mais aceita cita as estepes na Ásia central e no norte da Índia como os pontos focais. Dali, o mal se espalhou até a China e, mais tarde, para toda a Europa. Ratos e pulgas infectados nos navios, com comerciantes e exércitos mongóis que transitavam pela Rota da Seda, levaram a peste para os portos europeus.

A fome como inimigo

Quando não era a peste, a fome fazia milhares de vítimas na Idade Média. Entre 1315 e 1317, a Europa teve a pior produção de alimentos de sua história. Os campos sofreram diversos alagamentos e as plantações não estavam suficientemente maduras quando colhidas, dificultando a estocagem. Como se não bastasse a má qualidade da comida disponível, no início de 1316 o inverno rigoroso dizimou as colheitas. Os preços do trigo triplicaram e o pão passou a ser misturado a excrementos de pombos e de porcos, cascas de árvores, palhas e caules de ervilha. Não havia o que comer nem para a minoria da população que possuía dinheiro. Em algumas regiões, cerca de 70% dos rebanhos morreram de doenças causadas pela desnutrição e, mesmo assim, foram comidos, levando à disseminação de pestes. A fome levou ao canibalismo – registrado desde o interior da Inglaterra até a Livônia (atual Estônia). Entre 1594 e 1597, uma sucessão de quatro safras ruins trouxe mais desespero e morte. Cerca de 10% da população francesa morreu faminta. O problema afetaria a Europa até o início do século 18.

Templo do saber

Com a fundação das primeiras escolas por Carlos Magno no século 7, a cultura greco-romana, até então guardada nos mosteiros, voltou a ser divulgada. Apenas no século 11, porém, é que a primeira universidade para o estudo do direito, da medicina e da teologia surgiu em Salerno, na Itália, com base nas escolas episcopais. Organizadas pela Igreja, contavam com professores de duas ordens religiosas: os dominicanos (dedicados mais à ciência e ao pensamento aristotélico) e os franciscanos (cuja influência era fundamentada nos ensinamentos de santo Agostinho). A partir dessas universidades é que se desenvolveu a escolástica: uma linha dentro da filosofia medieval que procurou conciliar os ensinamentos da doutrina cristã com o platonismo e o aristotelismo.

Acertando os ponteiros

O primeiro relógio mecânico foi construído em 850 por Pacífico, arcebispo de Verona. Consistia em um conjunto de engrenagens movido por pesos. Até o fim do século 13, porém, o dispositivo só foi utilizado em igrejas ou em pequenas torres públicas. O mais antigo deles instalado é de 1309, na Igreja de Santo Eustórgio, em Milão, Itália. Em 1410, o arquiteto florentino Fillipo Brunelleschi construiu relógios que usavam uma mola em espiral. Serviram de modelo para que o serralheiro alemão Peter Henlein aperfeiçoasse o invento em 1510, o que possibilitou o surgimento dos primeiros relógios mecânicos portáteis, fabricados na Inglaterra, França e Suíça.

O multiplicador de livros

Johannes Gutenberg inventou a prensa de metais móveis, em 1438, na cidade de Estrasburgo (hoje na França), e revolucionou a tipografia mundial. Embora a tecnologia já fosse conhecida na China desde o século 11, os tipos móveis chineses não suportavam um longo uso e mal retinham a tinta da impressão. O trabalho de Gutenberg foi aperfeiçoar os blocos de impressão já existentes na Europa e desenvolver novos modelos de caracteres feitos de metal. Também criou uma tinta de impressão à base de óleo e prensas feitas das peças utilizadas para espremer as uvas na fabricação de vinho. O processo logo se espalhou por todo continente, em 50 anos, as obras existentes, que não passavam de centenas, se transformaram em milhares.

 

A força da água

A primeira vez em que a água foi utilizada como força motriz aconteceu num moinho de grãos horizontal, criado no Egito por volta de 100 a.C. Anos depois, com a invenção das primeiras engrenagens, optou-se pelos moinhos verticais, que chegaram à Europa gradativamente. A primeira evidência em grande escala dessas engenhocas vem da Inglaterra, em 1086, quando foram registrados 5 624 moinhos de água no país. Naquele ano, os moinhos foram pela primeira vez usados para a fiação de tecidos. Isso transformou a indústria de lã inglesa, aumentando sua produção. Eles também foram aproveitados para o escurecimento do couro e, em 1238, para a fabricação de papel. Os moinhos também forjaram o ferro, ajudaram a serrar madeira e a fazer malte para a cerveja. Por causa da importância na economia e da redução no tempo de serviço dos trabalhadores, os moinhos de água produziram uma espécie de “revolução industrial” na Europa a partir do século 11.

Os dois sábios medievais

A Idade Média teve dois grandes filósofos: são Tomás de Aquino e Roger Bacon. Frade dominicano, são Tomás nasceu em 1227, na Itália, e foi responsável pela introdução das obras de Aristóteles na Igreja. “Para Tomás, o ser humano possui uma alma única, unida ao corpo intrinsecamente”, diz Carlos Arthur do Nascimento, professor de filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Sua obra mais importante é a Suma Teológica, em que revê a teologia cristã sob o princípio aristotélico de que cabe à razão classificar o mundo para entendê-lo. Já Roger Bacon foi um padre franciscano, nascido na Inglaterra em 1214, que ficou conhecido como Doctor Mirabilis por ser o precursor do espírito científico no pensamento moderno. “Estudioso da óptica, a principal importância de Bacon para a filosofia está em sua defesa da matemática para a fundamentação da ciência natural”, afirma o professor da PUC/SP.

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