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De tão banais, parecem que eles sempre estiveram ali. Mas os símbolos nas portas dos banheiros, nos ônibus, em prédios públicos... em todos os lugares, nasceram da cabeça de uma pessoa só, o austríaco Otto Neurath

Texto Carol Castro Publicado em 01/02/2012, às 16h03 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

Otto Neurath é um nome que diz pouca coisa para a maioria das pessoas. Poucos sabem da onipresença do trabalho desse austríaco, mas basta olhar ao redor. No ônibus, ao lado de assentos especiais, figuram adesivos de mulher grávida, de homem com bengala e de uma pessoa com bebê no colo. Na esquina, a placa mostra o desenho de alguém na faixa de pedestre. Se olhar adiante, o desenho é de um avião, à direita vai para uma cruz vermelha e à esquerda fica uma cama. Qualquer um entende o recado. A culpa é de Neurath. E de seu desejo de mudar o mundo.



O primeiro objetivo do sujeito, cujo trabalho inspirou a criação de placas para diferenciar o banheiro feminino do masculino, era engajar as massas por meio de uma linguagem acessível a qualquer um. Otto Neurath era um cientista social, matemático e socialista. Foi preso, em 1919, aos 36 anos, ao ajudar a instalar um sistema econômico sem moeda na extinta República Soviética da Bavária. Na década de 1920, liderou grupos para dar ordem ao caos gerado pela 1ª Guerra. Sem moradia, os austríacos ocupavam as praças da capital, cortavam árvores e construíam casas por conta própria. Neurath via o movimento como uma chance de estimular os trabalhadores a entrar na política. Mas faltava ordem. Então organizou os assentamentos e as construções. A crise passou, os empregos reapareceram e as pessoas voltaram a pagar por pedreiros. Aí Neurath encontrou o design.

Neurath enxergou no conhecimento outra forma de incluir o povo como protagonista nas mudanças políticas e sociais. E o design era a ferramenta ideal para levar as informações a qualquer um. Neurath abriu o Museu da Sociedade e da Economia, em Viena, e criou o Departamento de Transformação. A missão era transformar fatos científicos em figuras simples, os pictogramas. "Construir uma ponte no buraco que há entre a leitura e a visualização", dizia Otto, em trecho retirado do livro Otto Neurath - The Language of the Global Polis (A Língua da Aldeia Global). Ele queria que a informação fosse compreendida em apenas 3 olhares, independentemente do dono do olhar - fosse ele o presidente do país ou o engraxate.

Dessa ideia surgiu o Sistema de Educação Tipográfica Pictórica (Isotype, em inglês). Toda figura tem de ser construída de forma pedagógica, ser bidimensional, sem perspectiva e abstrata: um homem é um boneco com pernas, braços, cabeça e só. Nada de detalhes como roupas, boca, olhos. As cores ajudam a passar o recado (por isso o símbolo de hospital tem a cor vermelha, por exemplo). Para transformar as estatísticas em gráficos ilustrados, Otto usava números. Quando quis mostrar como a pecuária se espalhava pelo mundo, cada vaca desenhada representou 25 milhões de vacas de verdade. Então criou o mapa e distribuiu, de acordo com os dados, o gado pelos continentes.

Era novidade, mas não é nada muito distante dos antigos hieróglifos egípcios. "Tudo vem do que já existia. Os hieróglifos têm um significado, mas eles repetem todas as pessoas, em cada movimento... Neurath mudou isso. Com uma estatística, eu sei que uma arma vale por 10 mil. Ele simplificou o uso da telegrafia visual sem usar palavras", diz o designer gráfico brasileiro Alexandre Wollner.

Dos gráficos ao urbanismo

A partir da década de 1930, Neurath concluiu que uma mudança na sociedade só seria possível com a globalização radical e a uniformização dos símbolos. Surgiram convites para organizar exposições em cidades como Moscou, Berlim, Amsterdã, Londres e Nova York. Organizações pediram sua ajuda para desenvolver padrões de comunicação. E o designer ganhou o mundo. Ele se associou a Paul Otlet, fundador de um centro internacional chamado World¿s Palace. Otlet ambicionava criar a "World City", uma grande cidade em volta do lago de Genebra, na Suíça, que abrigaria uma associação científica, museus, bibliotecas, institutos e universidades. Para ele, era necessário montar uma espécie de central de administração dos museus de todo o mundo a fim de criar um sistema de cooperação entre as nações. Neurath e Otlet se encontraram com algumas crenças em comum. Ambos apostavam na globalização como uma forma de tornar acessível a todos qualquer tipo de conhecimento. Enxergavam uma utilidade social nas informações.

Juntos, fundaram o N.O.P. (Novus Orbis Pictus, uma referência ao nome dos dois: Neurath, Otto/Otlet e Paul), com o objetivo de conectar todos os museus do mundo e publicar livros. A primeira obra foi uma espécie de enciclopédia de figuras. Mas a história não rendeu muitos frutos. A crise econômica de 1929 cancelou a ajuda que viria dos fundos filantrópicos americanos. Àquela altura, o trabalho de Neurath aparecia no mundo todo, na teoria e na prática. Mas ainda faltava um personagem para ligar os pictogramas ao urbanismo: o holandês Cornelis van Eesteren, arquiteto e presidente do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam). Interessado em criar uma linguagem universal no planejamento urbano, o arquiteto convidou Neurath para participar do congresso Cidade Funcional. O encontro abordou mapas analíticos de várias cidades com o objetivo de preparar um estudo sobre a metrópole moderna. Neurath e o Ciam também se desentenderam. Van Eesteren e outros membros apostavam em um modelo estético sofisticado e os desenhos abstratos e simples de Neurath aparentemente não se encaixavam nesse propósito. O austríaco acabou afastado do projeto.

Reconhecimento

A virada de jogo na popularidade do Isotype e no reconhecimento do trabalho de seu criador veio em 1972, durante as Olimpíadas de Munique, na Alemanha, 27 anos depois da morte de Neurath. Ulm Olt Aicher, diretor da Escola Superior de Grafismo, criou desenhos simples para referenciar cada modalidade de esporte. Seguindo estrutura semelhante à de Neurath, os pictogramas de Munique são simples, sem perspectiva, bidimensionais e abstratos. "Foi aí que começou a aparecer o resultado estrutural do trabalho austríaco. Depois disso, surgiram as placas de aeroportos e rodoviárias", afirma Wollner. Hoje, basta prestar atenção nas ruas. Cada símbolo ajuda a entender a influência do trabalho de Otto Neurath.

Saiba mais

Livro


Otto Neurath, The Language of the Global Polis, Nader vossoughian, NAi Publishers, 2011, US$ 65

Acervo

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