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Matérias / Anne Frank

O que aconteceu com o oficial que prendeu Anne Frank no Anexo Secreto?

Em 4 de agosto de 1944, Anne Frank e sua família foram descobertos no Anexo Secreto por agentes da SS; mas o que aconteceu com o oficial que os prendeu?

Joop van Wijk-Voskuijl e Jeroen De Bruyn* Publicado em 05/05/2024, às 10h00

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Anne Frank por volta de 1940 - Wikimedia Commons/Casa de Anne Frank
Anne Frank por volta de 1940 - Wikimedia Commons/Casa de Anne Frank

Em 1963, a temporada de caça aos nazistas estava em andamento. Adolf Eichmann, o arquiteto da Solução Final, o homem que declarou sua "alegria de ver" a eficiência dos holandeses no envio de judeus aos campos de extermínio, fora condenado à morte em Jerusalém.

Agora frágeis e grisalhos, os exterminadores que comandaram Auschwitz, Belzec e Chelmno eram finalmente algemados e levados a julgamento em processos judiciais em altas cortes de toda a Alemanha. Mas o oficial da SS que prendeu Anne Frank, a vítima mais famosa do genocídio nazista, continuava foragido. 

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Havia cinco anos que o caçador de nazistas Simon Wiesenthal tentava rastreá-lo. Em comparação a muitos outros homens visados por Wiesenthal — tais quais como Eichmann, que tiveram papel importante na organização, supervisão e execução do assassinato em massa de 6 milhões de pessoas —, Karl Silberbauer era um peixe pequeno, "um ninguém, um zero", como definiu Wiesenthal em suas memórias, 'Os assassinos entre nós'. Mas nada disso importava, escreveu, pois "o número antes do zero era Anne Frank". 

O fato de Silberbauer ter prendido Anne, que nos anos seguintes se tornou a vítima mais identificável do Holocausto graças à fama do diário publicado, tornou-o importante, mesmo que somente por associação. Seis milhões eram apenas um número. Mas a história de Anne mostrou o Holocausto em miniatura, um crime que as pessoas conseguiam entender, uma vítima que podiam amar.

Páginas do diário de Anne Frank / Crédito: Getty Images

E a maneira como aquela garotinha comoveu o coração de todos multiplicava exponencialmente a atrocidade até a escala da coisa tocar de uma maneira mais profunda e perceptível qualquer cultura, tornando o Holocausto importante até mesmo para gente que nunca soube a diferença entre um gentio e um judeu. 

O diário de Anne Frank teve um impacto muito maior do que todos os julgamentos de Nuremberg", disse Wiesenthal certa vez. "Pois ninguém é capaz de se identificar com pilhas de cadáveres. Mas aquela menina comum de quatorze anos […] As pessoas que lerem o diário vão pensar: Podia ter sido minha filha, minha neta ou minha irmã." 

Em 1963, Anne já tinha se tornado um fenômeno cultural global. Nos onze anos desde a primeira publicação do diário em inglês, o livro se tornou um best-seller internacional, gerando uma peça teatral aclamada na Broadway e um filme de grande sucesso de 1959 dirigido por George Stevens. As pessoas se identificaram com Anne; ficaram conhecendo Anne e sua família, e agora exigiam justiça em seu nome; queriam que os envolvidos pagassem pelos seus crimes. 

Wiesenthal era um sobrevivente sob mais de um aspecto, um homem que, como ele mesmo declarou, "resolveu viver pelos mortos". Já tinha entendido o que significava ser judeu no século XX quando, ainda menino na Galícia, foi ferido no rosto pelo sabre de um cossaco. Duas décadas depois, ele e toda sua família foram tragados pelos campos de concentração nazistas. A mãe foi assassinada em Belzec, um dos 89 membros da família que Wiesenthal e sua mulher, Cyla, perderiam no Holocausto. 

Em 1943, Wiesenthal fugiu do campo de concentração de Janowska, na atual Ucrânia, mas acabou sendo recapturado e mandado de volta para trabalhar em condições execráveis. A certa altura, ficou tão desesperado que tentou cortar os pulsos com uma lâmina de barbear enferrujada.

Em outra ocasião, tentou se enforcar, mas estava fraco demais para se pendurar numa corda improvisada. Sobreviveu a uma marcha da morte pela Polônia e terminou a guerra em Mauthausen, onde foi deixado para morrer em uma ala para os mortalmente feridos. Quando finalmente foi libertado pelos americanos, em 5 de maio de 1945, pesava pouco mais de quarenta quilos. 

Até hoje o papel desempenhado por Wiesenthal no rastreamento de Eichmann na Argentina é contestado, mas indiscutivelmente ele foi bem-sucedido no desmascaramento de outros importantes nazistas na clandestinidade, do comandante de Treblinka à sádica guarda feminina do campo de extermínio de Majdanek, que conduzia os judeus à câmara de gás com um chicote na mão.

Era um homem teimoso, inabalável, corajoso; não se mudou da casa onde morava em Viena, nem mesmo depois de ela ter sido atacada por neonazistas com bombas incendiárias. 

Assim, quando uma aglomeração de adolescentes gritando epítetos antissemitas interrompeu a apresentação da peça 'O diário de Anne Frank' na cidade austríaca de Linz, em outubro de 1958, e começou a distribuir panfletos dizendo "Anne Frank nunca existiu", Wiesenthal interpretou aquilo como um chamado à ação.

Os adolescentes não estavam sozinhos. Algumas semanas antes, um professor da cidade alemã de Lübeck tinha declarado publicamente que o diário era uma falsificação. Quanto mais Wiesenthal atentava, mais percebia que toda uma geração de austríacos e alemães estava crescendo entre sementes de dúvida sobre se o Holocausto havia acontecido de fato. 

Wiesenthal conheceu um dos meninos em um café e, depois de conversarem um pouco, o garoto afirmou que só acreditaria na existência real de Anne Frank como pessoa e na veracidade do diário se Wiesenthal apresentasse provas da existência do oficial da Gestapo que supostamente a prendera no lendário Anexo Secreto.

Esconderijo de Anne Frank / Crédito: Divulgação / Anne Frank Stichting Fundation

Foi então que ele se dispôs a encontrar o homem, apenas um entre dezenas de milhares de "capatazes da morte anônimos", como os definia. 

Em 1958, não se sabia praticamente nada sobre Karl Silberbauer além do seu sobrenome. Miep notou seu sotaque vienense durante o interrogatório, mas nenhum dos ajudantes sabia se ele tinha sobrevivido à guerra e nem onde poderia ser encontrado na Áustria (ou em qualquer outro lugar). 

Enquanto caçava nazistas ao redor do mundo, Wiesenthal sempre afirmou que estava atrás de "justiça, não de vingança". Para Otto, contudo, sua cruzada era como aplicar sal em velhas feridas.

Ele não tinha estômago para punições; estava interessado em reconciliação para os vivos, paz para as filhas assassinadas. Queria perdoar, se não esquecer. Ao longo daqueles cinco anos em que Wiesenthal tentou rastrear Silberbauer, Otto torceu para ele não o encontrar.

Simon Wiesenthal em 1993 - Divulgação/Simon Wiesenthal Center

Chegou a pedir para Ernst Schnabel usar o nome "Silberthaler" em seu livro de 1958 sobre o Anexo Secreto, talvez para proteger o anonimato do nazista, já que as anotações pessoais de Schnabel mostram claramente que ele sabia o nome correto do oficial da SS. 

Otto tinha suas razões para preferir que Silberbauer fosse deixado em paz. Era magnânimo e tolerante por natureza, e sabia que nenhuma investigação ou acerto de contas poderiam trazer suas meninas de volta. Mas acho que a maior razão pela qual não queria que Silberbauer fosse localizado era seu desejo de que a última palavra no caso do Anexo Secreto fosse de Anne — e só de Anne.

Queria que o diário se sustentasse por si só, incontestado por outras vozes e testemunhas. Não estava errado ao pensar que, se encontrados, os criminosos só turvariam a história.

Ele estava apenas seguindo ordens

Por quase duas décadas, Silberbauer não teve de responder pelos crimes cometidos em solo holandês. Quando voltou à sua Viena natal, em abril de 1945, cumpriu uma sentença de quatorze meses de prisão, não pelo que fizera aos judeus holandeses e membros da Resistência, mas por seu tratamento brutal aos comunistas austríacos antes mesmo de ser transferido para a Holanda no decorrer da guerra.

Assim que saiu da prisão, em 1946, foi recrutado pelo Serviço Federal de Inteligência da Alemanha Ocidental, passando quase uma década como agente infiltrado na Áustria e na Alemanha, espionando grupos neonazistas, a escória do sistema fascista, que o admitia em seus círculos íntimos por conta de suas credenciais como homem da SS. 

Em 1954, foi recontratado pelo departamento de polícia de Viena, onde trabalhava antes da guerra, para o cargo de inspetor. A essa altura sua reabilitação parecia completa: Silberbauer vivia abertamente em Viena, sem medo de seu passado voltar para assombrá-lo.

Karl Silberbauer - Domínio Público

Mas Wiesenthal continuava em seu encalço. O caçador de nazistas vinha rondando o interior austríaco à sua procura desde 1958, mas foi enganado por Otto Frank e pensou estar procurando um homem chamado "Silberthaler", ou talvez "Silvernagl", uma grafia alternativa fornecida por Victor Kugler.

Porém, no fim da primavera de 1963, Wiesenthal fez uma descoberta. Em uma viagem a Amsterdã, encontrou-se com um oficial do alto escalão da polícia holandesa chamado Ynze Taconis, que lhe deu uma fotocópia de uma lista de números telefônicos de 1943 do pessoal da Gestapo na Holanda ocupada.

No voo de volta a Viena, Wiesenthal leu os nomes com atenção. Eram cerca de trezentos no total, divididos em diferentes seções. Seus olhos encontraram a Referat IV B4, a seção da Gestapo responsável pela deportação de judeus:

KEMPIN
BUSCHMANN
SCHERF
SILBERBAUER

Lá estava ele. Levaria mais alguns meses para localizar Silberbauer em Viena, confirmar ser ele o homem que comandou a incursão e revelar sua identidade ao mundo. Wiesenthal disse que, quando a notícia foi anunciada, ele recebeu "mais telegramas e cartas do que recebi depois da captura de Eichmann".

Contudo, neste caso, não haveria um julgamento sensacional por crimes de guerra, tampouco uma execução ou sentença de prisão. Silberbauer recebeu licença temporária da polícia de Viena e foi aberto um inquérito, mas ele foi inocentado de qualquer irregularidade, pois estava apenas "seguindo ordens" e não tentou "esconder seu passado".

Surpreendentemente, no decorrer do processo, Otto falou a favor de Silberbauer, dizendo às autoridades que ele "somente cumpriu seu dever e se comportou corretamente".

Talvez estivesse lembrando que Silberbauer, ao saber que Otto havia sido oficial do exército alemão na Primeira Guerra, dera à família Frank mais tempo para fazer as malas e dissera aos seus homens para guardarem as armas — atitudes que, para minha mãe, revelaram "um resquício de humanidade". 

A única coisa que peço", acrescentou Otto em seu depoimento às autoridades austríacas, "é não ter que ver esse homem de novo".

O trecho acima foi tirado do livro 'O último segredo de Anne Frank: A história não contada de Anne Frank, de sua protetora silenciosa e de uma traição em família', escrito por Joop van Wijk-Voskuijl e Jeroen De Bruyn; e publicado no Brasil pela Editora Planeta.

+ 'O último segredo de Anne Frank': Obra debate quem denunciou o Anexo Secreto

Capa do livro 'O último segredo de Anne Frank' - Ed. Planeta

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