Fruto do programa Lebensborn, fomentado por Heinrich Himmler, cantora de ABBA só conheceu seu pai, um sargento alemão, depois de 30 anos
Meses após Adolf Hitler ascender ao poder como chanceler, o Partido Nazista colocou em prática o programa Lebensborn ('fonte da vida'). Encabeçado por Heinrich Himmler, chefe da Schutzstaffel (SS), o Lebensborn tinha o objetivo declarado de aumentar o número de crianças nascidas que atendiam aos padrões nazistas de "racialmente puras" e "saudáveis".
Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha sofria com o baixo número da população jovem masculina, afinal, muitos haviam perdido suas vidas no conflito. Baseado em políticas eugenistas, o Lebensborn visava purificar a raça ariana e repovoar o país.
Em 1935, antes do início da Segunda Guerra, Himmler promoveu uma campanha para que mães solteiras que se encaixassem nos padrões arianos desse à luz em lares Lebensborn. Além disso, a SS organizou o contato entre mulheres arianas e seus soldados, para que eles tivessem filhos que pudessem seguir com a linhagem.
Segundo o portal sueco Varlden Historia, mulheres que tiveram muitos filhos arianos receberam uma medalha especial. O programa Lebensborn também garantiu que os filhos arianos de mães solteiras fossem adotados por famílias "racialmente puras".
Durante a guerra, o programa ainda se espalhou pelos países ocupados pelos nazistas. Assim, os alemães estabeleceram cerca de dez lares Lebensborn na Noruega, onde foram registadas entre 8.000 e 12.000 crianças.
Um desses exemplos é o de Anni-Frid Lyngstad, filha da norueguesa Synni Lyngstad com o sargento alemão Alfred Haase. Anos mais tarde, ela se tornou mundialmente famosa apenas pelo nome Frida, e por ser cantora do grupo ABBA.
Anni-Frid Lyngstad nasceu na Noruega semanas após o fim do conflito, em 15 de novembro de 1945. Com a aplicação do programa Lebensborn para os países invadidos pela Alemanha nazista, ela foi fruto de um relacionamento incentivado pelas políticas eugenistas.
Entretanto, com o fim da guerra — e a queda do Terceiro Reich —, as mulheres norueguesas passaram a serem vistas como traidoras. Segundo o History, psicólogos do governo da Noruega tratavam essas mulheres como "limitadas, psicopatas, antissociais e com sérios atrasos mentais".
Já seus filhos, chamados de Tyskerbarnas (ou 'crianças alemãs') foram perseguidos e, conforme o The Guardian, é alegado que alguns até foram cobaias em testes de drogas.
Após o nascimento de Anni-Frid Lyngstad, sua mãe (Synni Lyngstad) e sua avó (Arntine) foram rotuladas como traidoras. Obrigadas a deixarem o país, deveriam partir para a Suécia. Synni morreu de insuficiência renal antes da filha completar dois anos.
Coube a Arntine, apenas uma costureira, a cuidar da neta; já que se pensava que o pai da menina havia morrido em um naufrágio. Todavia, o reencontro com o passado ainda faria parte da cantora que marcou época.
Com a carreira musical de Frida deslanchando, seu passado também foi revirado, ou melhor, descoberto. Sem saber que era fruto do Lebensborn, a cantora só conheceu seu pai após três décadas.
Tudo começou em 1977, quando uma revista alemã publicou uma biografia detalhada sobre a cantora, contando alguns detalhes sobre seu passado. O meio-irmão de Frida leu a matéria e questionou seu pai se ele esteve na Noruega durante a Guerra.
Com a confirmação, a cantora foi procurada sobre seu passado e um reencontro foi organizado em sua villa sueca, instigado por Benny Anderson, fundador do Abba e então marido de Anni-Frid.
É difícil... teria sido diferente se eu fosse adolescente ou criança. Eu realmente não consigo me conectar com ele e amá-lo do jeito que eu faria se ele estivesse por perto quando eu crescesse", disse Frida após reencontrá-lo, segundo repercutiu o The Guardian.
O reencontro frio ainda foi responsável por desencadear um quadro de depressão na cantora. Filhos do projeto Lebensborn também sofreram do mesmo mal ou algo pior, com muitos indo parar em orfanatos e hospícios — onde foram vítimas de abuso por terem pais nazistas.
"Ela conseguiu coisas incríveis na Suécia, algo que nunca teria conseguido se tivesse ficado na Noruega, onde teria sido considerada uma aberração", disse Tor Brandacher, então com 63 anos, porta-voz da organização que representa as crianças, em entrevista ao The Guardian em 2002.
Fundado em 1999, o grupo Krigsbarnforbundet Lebensborn, ou Fonte da Vida — o mesmo nome do esquema liderado por Heinrich Himmler —, iniciou um movimento para que essas crianças fossem indenizadas pelo governo.
Afinal, a maioria das crianças Lebensborn que permaneceram na Noruega foram consideradas 'desajustadas sociais'. Poucos receberam educação adequada ou foram empregados. "É típico que tenham sofrido de depressão e baixa autoestima", disse o advogado Randi Hagen Spydevold ao veículo britânico no início dos anos 2000.
A maioria teve problemas para estabelecer relacionamentos ou conseguir se relacionar com o mundo real, o que não é surpreendente quando você passou seus anos de formação sendo chamado de idiota alemão, um bastardo inútil que não merece estar vivo", prosseguiu.
Com a derrocada alemã, as mulheres norueguesas perderam seu estatuto e seus filhos foram taxados de "ratos" pelos funcionários do governo. O fato de terem "o pai alemão" já se tornava acusação suficiente para enviá-las para hospitais psiquiátricos, onde muitas foram torturadas e violadas. Foram considerados perigosos devido aos seus "genes nazis" e capazes de formar uma quinta-coluna fascista.
Além disso, aponta o The Guardian, milhares de suas mães foram rotuladas de "prostitutas alemãs" e acabaram enviadas para "campos de concentração" noruegueses, onde eram praticamente trabalhadoras escravas.
Em 2018, a então primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, se desculpou com os filhos do programa Lebensborn e pelo tratamento que foi dado às mães e as crianças. "As autoridades norueguesas violaram o princípio fundamental de que nenhum cidadão pode ser punido sem julgamento ou sentenciado sem lei", declarou.