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Colunas / Netflix

Transatlântico, a nova série da Netflix que se baseia na Segunda Guerra

Na série, um trio monta uma operação em Marselha para ajudar os perseguidos

Ricardo Lobato Publicado em 14/05/2023, às 09h00 - Atualizado em 25/05/2023, às 15h58

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Imagem de divulgação da série Transatlântico - Divulgação/ Netflix
Imagem de divulgação da série Transatlântico - Divulgação/ Netflix

Apesar de nos últimos anos ter diminuído a quantidade de produções sobre guerra, especialmente sobre a Segunda, com o advento de um novo
conflito na Europa, além do ressurgimento do fascismo na política de vários países, o maior conflito que a humanidade já viu passou a ser revisitado – exatamente o pano de fundo da nova minissérie da Netflix: Transatlântico, de Anna Winger.

Não tenho a intenção de dar spoilers, mas como a história tem a característica singular de já ter acontecido, vamos aos fatos. O drama é centrado na atuação de três jovens –figuras que se tornariam famosas na segunda metade do século 20: o jornalista Varian Fry, a patrona das artes Mary Jayne Gold e o economista Albert Otto Hirschman. Este trio, formado por dois norte-americanos e um judeu alemão, conseguiu alguns feitos notáveis para aquele início conturbado da década de 1940. 

Fry e Mary Jayne viviam na Europa aproveitando o final da Belle Époque e os milhares de
anos de cultura que o continente tinha a oferecer. De famílias abastadas e vivendo em um mundo de arte e cultura, perceberam todas as mudanças dos anos 1930 e, ao contrário de muitos dos seus compatriotas em casa, viram em primeira mão o perigo que o nazismo crescente na Alemanha tinha a oferecer. 

Hirschman era exatamente a vítima da ideologia: judeu, teve de deixar sua pátria em 1933 com a chegada de Hitler ao poder. Estudou em vários países e até foi voluntário nas Brigadas Internacionais da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Quando a Segunda Guerra começou, morava em Paris, porém, com a queda da França, foi obrigado a fugir, junto da irmã, para Marselha, ao sul do país – apesar de compor o “Grande Reich Alemão”, a cidade mediterrânea ficava na zona não ocupada, parte do governo fantoche de Vichy.

Imagem de divulgação da série Transatlântico / Crédito: Divulgação/ Netflix

É justamente em Marselha que a história dos três jovens se cruza. Fry dirigia o Comitê de Resgate de Emergência (ERC, na sigla em inglês), que tinha como principal missão migrar da Europa aos Estados Unidos algumas das mentes mais brilhantes do continente, então consideradas “inimigas do Reich”. Mary Jayne se juntou a Fry logo depois – trazendo consigo vastos fundos de sua fortuna familiar – logo após a invasão alemã da França. Depois, com a chegada de Albert (salvo por Jayne), o primeiro encontro se deu entre eles, e o trio estava completo.

Mas logo perceberam que apenas o apelo por vistos de saída para os expatriados que se dedicavam a ajudar não seria suficiente. Em uma Europa ocupada pelos nazistas, ficava cada vez mais claro que teriam de ajudar os perseguidos como podiam. Entre as inúmeras tramas em que se envolveram, todas retratadas com maestria na minissérie, há desde uma colaboração com a inteligência britânica na França, passando por rotas de fuga pela fronteira com a Espanha (que ficou neutra no conflito), até o “contrabando” de refugiados em um transatlântico (daí o título da obra), uma megaoperação para tirar mais de 300 pessoas da cidade de uma vez só, de modo a fugir do cerco nazista que começava a se intensificar. 

Mas afinal, quem eram as pessoas ajudadas pelo Comitê de Resgate de Emergência? Começou com intelectuais e artistas, como a filósofa Hanna Arendt, o pintor Marc Chagall e o antropólogo Claude Lévi-Strauss. No entanto, qualquer um que procurasse refúgio para escapar da perseguição nazista passou a ser acolhido. Estima-se que, entre junho de 1940 e setembro de 1941, quando as atividades do ERC tiveram de ser encerradas, o Comitê tenha salvado a vida de mais de 4 mil pessoas.

A minissérie também retrata a pluralidade das figuras que compunham o Comitê. Os protagonistas podiam ser dois estadunidenses e um alemão, mas é dado especial destaque para o papel dos africanos – oriundos das então colônias francesas – nos movimentos de resistência e de ajuda aos judeus e demais perseguidos. Personagens como o concierge Paul Kandjo, uma figura fictícia, mas que retrata justamente os diversos casos dos “protagonistas que a história esqueceu”, mostrando em primeira mão
que a imensa rede não teria funcionado sem a ajuda desses bravos.

Com um tom que vai do drama à comédia, testemunhando o dia a dia das pessoas perseguidas – onde todos os pequenos momentos de prazer eram aproveitados ao máximo –, Transatlântico consegue captar o “espírito do tempo” daquele mundo que, como o nosso na atualidade, passava por grandes e rápidas mudanças. Um brinde à História! 


Ricardo Lobato é Sociólogo e Mestre em economia pela UNB, Oficial da Reserva do Exército brasileiro e Consultor-chefe de Política e estratégia da Equibrium — Consultoria, Assessoria e Pesquisa.