A Itália lançou as bases do sistema financeiro que influenciam os modelos econômicos até os dias atuais ao redor do mundo
Em plena Idade Média, Veneza, Gênova, Pisa e Amalfi consolidaram-se como as principais repúblicas marítimas italianas. Sua localização estratégica no Mediterrâneo e o desenvolvimento de poderosas frotas navais impulsionaram o comércio com o Oriente, promovendo o intercâmbio de produtos, ideias e culturas.
As repúblicas marítimas italianas investiram em tecnologia naval, o que lhes permitiu construir embarcações mais eficientes, e aperfeiçoaram instrumentos de navegação como a bússola e o astrolábio. O contato com diferentes culturas por meio do comércio enriqueceu a Itália, influenciando a arte, a arquitetura, a literatura e a ciência.
Essas repúblicas foram centros de difusão do conhecimento, abrigando universidades e escolas que contribuíram profundamente para o desenvolvimento da Civilização Ocidental. Com sua economia baseada no comércio e na acumulação de capital, foram precursoras do capitalismo.
A partir do século 11, as repúblicas marítimas italianas, com seu crescente poderio naval, protagonizaram a Revolução Comercial da Idade Média na Itália. Esse fenômeno foi marcado pela intensificação das feiras medievais, pelo aumento do intercâmbio de bens e pela expansão das rotas comerciais.
Superando a ruína do Império Romano, essas repúblicas cresceram e tornaram-se autênticas potências do Mediterrâneo. A acumulação de riqueza gerada pelo comércio impulsionou a substituição da ordem feudal tradicional por relações pautadas por contratos.
Com a expansão do comércio, as repúblicas marítimas italianas precisaram de crédito para financiar suas atividades. Foi essa demanda por capital que provocou o surgimento de um dos primeiros bancos do Ocidente.
Fundado em Gênova em 1407, o Banco de São Jorge (Officium comperarum et bancorum Sancti Georgii), cujas origens remontam ao ano de 1149, foi um dos primeiros bancos do Ocidente.
Sua criação representou um marco na história do sistema financeiro, tendo estabelecido um modelo de funcionamento que foi adotado pelos bancos que se seguiram. Tendo ganhado autonomia ao longo do tempo, possuía uma administração estruturada e um sistema contábil organizado.
Extinto em 1805 com a anexação da República de Gênova à França em meio às Guerras Napoleônicas, o Banco de São Jorge contribuiu decisivamente para o desenvolvimento do comércio, o financiamento de projetos e a estabilização da economia dessa república marítima italiana.
As repúblicas marítimas italianas foram pioneiras em diversas inovações que lançaram as bases do capitalismo. Elas criaram a letra de câmbio, instrumento financeiro que permitiu o pagamento de dívidas em diferentes moedas e lugares, evitando o transporte de grandes somas de dinheiro. Em uso corrente até hoje, tendo evoluído e se adaptado às necessidades do mercado, as letras de câmbio impulsionaram o comércio internacional.
Essas repúblicas também foram pioneiras no desenvolvimento dos seguros marítimos, que protegiam mercadores e armadores de perdas em caso de naufrágio ou outros imprevistos. Os seguros marítimos continuam a fazer parte do comércio internacional, contribuindo para a redução dos preços das mercadorias em todo o mundo.
Foi em Gênova, a partir do século 11, que surgiu o contrato de comenda, com o qual o investidor (capitalista) financiava expedições marítimas em troca de uma parte dos lucros.
Foi em Veneza, a partir do século 13, que despontou o método das partidas dobradas, ainda hoje o sistema-padrão para registrar transações contábeis em todo o mundo. Com ele, cada transação é registrada duas vezes, uma vez como débito e outra como crédito. Uma inovação simples e brilhante que permite um controle mais preciso das finanças, facilitando a tomada de decisões.
Seguindo os passos de Gênova, foi fundado em Veneza em 1587 o Banco da Praça de Rialto. Ele desempenhou um papel importante no financiamento do comércio veneziano, oferecendo serviços como câmbio de moedas, depósitos e empréstimos. Ao contribuir para prosperidade da República de Veneza, o Banco da Praça de Rialto ajudou a cidade a superar crises financeiras. Perdendo-se nas noites do tempo, o quase lendário Banco de Veneza teria sido criado em 1171.
O sucesso dos bancos das repúblicas marítimas italianas inspirou a criação de outros bancos na Europa. O sistema financeiro moderno é herdeiro dos primeiros bancos criados por elas.
Assim, conclui-se que o capitalismo — sistema econômico que domina o mundo contemporâneo — é fruto de um longo processo histórico que teve nas repúblicas marítimas italianas um dos seus principais pilares.
*Roberto Chacon de Albuquerque é doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Católica de Brasília, também é mestre e graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Nascido no Recife, ele é sócio-correspondente da Academia Pernambucana de Letras, do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
Também é autor dos livros “A Revolução Holandesa: Origens e Projeção Oceânica” (Editora Perspectiva), “Albuquerque e Nassau: Origens e Perfis” (Editora Topbooks), além de “As Repúblicas Marítimas Italianas: de Roma a Veneza” (EDUCS).