Profecia atribuída a São Malaquias sugere que o papa Francisco seria o último pontífice, mas especialistas alertam para falhas em interpretações
Publicado em 06/05/2025, às 17h00 - Atualizado em 09/05/2025, às 18h33
Uma antiga profecia creditada a São Malaquias voltou a circular nos últimos tempos nas redes sociais, em razão da morte do papa Francisco, aos 88 anos, ocorrida em 21 de abril.
Conforme interpretações populares da lenda, Francisco seria o 112º e último papa previsto em uma lista apocalíptica atribuída ao santo irlandês do século 12 — o que levou algumas pessoas a especularem que sua morte marcaria o fim do papado ou até mesmo o início de um evento catastrófico global.
Especialistas, entretanto, alertam: a profecia está repleta de inconsistências históricas e sua autenticidade é amplamente desacreditada entre especialistas.
A origem da chamada "Profecia dos Papas" remonta supostamente a São Malaquias, arcebispo de Armagh, na Irlanda, que viveu entre 1094 e 1148. A lenda afirma que ele teria tido uma visão profética durante uma visita a Roma, na qual previu uma lista de 112 papas, cada um descrito por uma breve e enigmática frase.
De acordo com o USA Today, a lista começaria com o papa Celestino II, eleito em 1143, e terminaria com um último pontífice descrito como "Pedro, o Romano", cujo pontificado marcaria o Juízo Final e a destruição da "cidade das sete colinas", uma provável referência a Roma.
O problema, segundo historiadores e teólogos, é que não há qualquer registro contemporâneo da existência dessa lista durante a vida de São Malaquias. Ela só surgiu no século 16, mais de 400 anos após a morte do santo, e foi publicada pela primeira vez em 1595 por um monge beneditino.
Para o padre James Weiss, professor de história da Igreja no Boston College, trata-se de uma falsificação, provavelmente com a finalidade de apoiar a eleição de um cardeal específico durante um conclave papal da época.
De fato, as primeiras 75 frases da lista — referentes a papas que viveram até o final do século 16 — são surpreendentemente precisas. Isso, para Weiss, é justamente a prova de que foram escritas retroativamente com base em conhecimento histórico. A partir daí, as descrições tornam-se genéricas, vagas ou simplesmente incompatíveis com os papas posteriores.
A descrição do suposto último papa, "Pedro, o Romano", é a mais comentada. O trecho menciona um juiz terrível e a destruição da cidade das sete colinas. Apesar do tom sombrio, Weiss argumenta que essa passagem pode não ter nada de apocalíptica. Ela pode se referir apenas ao julgamento de um líder, não necessariamente ao fim do mundo.
A profecia também recebeu atenção em produções midiáticas, como o documentário "O Último Papa?", exibido pelo History Channel em 2018. John Hogue, que participou da produção, defende a autenticidade da lista e destaca coincidências impressionantes, como a descrição "do trabalho do sol" para o papa João Paulo II, que nasceu e foi enterrado durante eclipses solares.
No entanto, Weiss e outros estudiosos alertam que essas correspondências podem ser fruto de interpretação forçada, por meio do encaixe de nomes e eventos a frases ambíguas. Ele cita o exemplo do papa Clemente XIV, descrito como "urso veloz", apesar de ter sido uma figura deliberada e lenta em suas ações.
Uma das razões pelas quais alguns acreditam que Francisco foi o 112º papa previsto é a inclusão, na contagem, de antipapas — líderes não oficialmente reconhecidos pela Igreja, que reivindicaram o trono de Pedro durante épocas de cisma.
O número total de papas na história ultrapassa 260, mas quando se considera apenas os papas desde Celestino II, os números se aproximam da lista de São Malaquias, dependendo de como se faz a contagem.
Há ainda interpretações que tentam ligar Francisco à figura de "Pedro, o Romano", mencionando que o pai de São Francisco de Assis, de quem o papa tirou seu nome, se chamava Pietro.
Contudo, para a professora Joëlle Rollo-Koster, especialista em história medieval e editora-chefe da Cambridge History of the Papacy, essa associação é forçada e carece de base histórica. Ela observa que São Bernardo de Claraval, uma das figuras mais respeitadas da época e amigo pessoal de Malaquias, escreveu uma biografia do santo, mas jamais mencionou qualquer profecia.
Para Rollo-Koster, o fascínio com profecias revela mais sobre o medo humano diante da incerteza do que sobre qualquer previsão concreta. De acordo com ela, as épocas em que se acreditava cegamente nessas previsões eram também épocas em que as pessoas tinham pouco controle sobre suas vidas e mortes. Hoje, porém, temos mais conhecimento científico. O conclave para a escolha do novo papa está marcado para começar em 7 de maio.
Na próxima quarta-feira, 7, inicia oficialmente o conclave no Vaticano, para decidir quem será o próximo papa, sucessor de Francisco, que faleceu no último dia 21, aos 88 anos. O conclave é um processo de votação secreto da Igreja Católica, em que um Colégio de Cardeais se reúne para escolher quem será o próximo pontífice. Esse momento é marcado por grande sigilo e expectativa, e os cardeais ficam isolados de qualquer influência exterior que possam interferir nos resultados.