No dia 1º de maio, estreia nos cinemas "Homem com H", que narra a trajetória de Ney Matogrosso, símbolo de resistência artística na ditadura militar
No início de maio, estreou nos cinemas brasileiros o drama biográfico "Homem com H", que retrata a trajetória de Ney Matogrosso, 83, um dos artistas mais transgressores da música brasileira.
Dirigido e roteirizado por Esmir Filho, o filme é baseado na biografia escrita por Julio Maria e traz Jesuíta Barbosa no papel principal, acompanhando Ney da juventude no interior até sua consagração como ícone da MPB. Confira o trailer:
Lançado ao estrelato em 1973 com o grupo Secos & Molhados, Ney causou escândalo em plena ditadura militar (1964-1985). Surgia nos palcos maquiado, sem camisa, com roupas coladas e uma performance andrógina que desafiava o moralismo vigente. Sua voz aguda e teatral, combinada à estética provocativa, foi um tapa na cara do regime — e de parte do público.
Com repertório baseado em poemas de autores como Vinícius de Moraes (Rosa de Hiroshima), Manuel Bandeira (Rondó do Capitão), Cassiano Ricardo (Prece Cósmica e As Andorinhas) e Solano Trindade (Mulher Barriguda), o primeiro álbum do grupo, lançado em 1973, usou a literatura como estratégia para driblar a censura.
Os militares, pouco atentos ao conteúdo de livros de poesia, deixaram passar versos considerados subversivos. "A censura, sempre ignorante, não atentou para o caráter sedicioso de alguns versos. Afinal, livros de poesia nunca venderam muito no país. Por essa razão, não representavam um perigo para a sociedade", relatou o jornalista Miguel de Almeida, à BBC em 2023.
Muitas tentativas de proibição falharam porque os netos dos generais eram fãs. "Em Santo André (SP), um juiz tentou proibir uma apresentação, mas o neto não deixou. Quando você conquista a criança, conquista a família inteira", lembrou o empresário Moracy do Val ao veículo. Ainda assim, músicas como 'Pasárgada', 'Tristeza Militar' e 'Tem Gente com Fome' foram censuradas.
No entanto, o visual andrógino do grupo e a dança provocativa de Ney não passaram despercebidos. Ele chegou a ser ameaçado de morte por cartas anônimas e vigiado por agentes do regime. Em Brasília, em 1974, tentaram impedir um show por causa de seu peito nu. A luz foi cortada, mas ele se recusou a vestir uma camisa. O espetáculo seguiu.
Em 1975, Ney deixou o grupo para iniciar carreira solo com o disco 'Água do Céu – Pássaro', seguido de 'Bandido' (1976), que consolidou seu nome entre os maiores da MPB. Desde então, construiu uma trajetória marcada pela liberdade artística, misturando gêneros, dirigindo espetáculos e atuando no cinema.
Durante entrevista ao programa "Conversa com Bial" nesta quinta-feira, 24, ele relembrou a repressão do período militar. Contou que chegou a ser orientado a não cantar nem dançar, por parecer um "grupo de homossexuais".
Se eu parasse de fazer aquilo, não sabia fazer outra coisa", disse. Revelou também que fez teatro para vencer a timidez — e foi nesse processo que entendeu que sua arte ia muito além da música.
Nascido em Bela Vista, no Mato Grosso do Sul, em 1941, Ney Matogrosso serviu à Aeronáutica antes de se descobrir nos palcos. Com voz aguda e potente, presença cênica magnética e um estilo performático que desafiava padrões de masculinidade, rompeu barreiras culturais desde que surgiu com o Secos & Molhados nos anos 1970. Ao longo das décadas, construiu uma carreira solo sólida e diversa.