Em 1817, uma conspiração visava sequestrar o líder francês para trazê-lo ao Novo Mundo — e tinha até mesmo o apoio do estadista
No começo do século 19, parecia não haver limites para a imaginação humana. Em meio a um dos períodos mais revolucionários e conturbados da História, tudo era possível. O Brasil dessa época também foi cenário de sonhos e planos mirabolantes. Um deles: raptar Napoleão Bonaparte (1769-1821) na ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, onde o imperador dos franceses encontrava-se prisioneiro dos ingleses desde a derrota na Batalha de Waterloo, em 1815.
Dali ele seria transferido para a América do Sul, onde reinaria novamente sobre um vasto território constituído pelas antigas colônias de Espanha e Portugal. O projeto foi discutido a sério em diferentes ocasiões e com diferentes autores. Tinha a simpatia do próprio Napoleão e só fracassou porque as circunstâncias não permitiram que se concretizasse.
Napoleão era um homem de ambições desmedidas. Para ele, não bastava governar a França e nem mesmo a Europa. No auge do seu poder, em 1808, chegou a liderar mais de 60 milhões de pessoas. Isso numa época em que a população humana era infinitamente pequena.
Naquele ano, com a virtual anexação de Espanha e de Portugal, ele praticamente dobrou o tamanho do território original da França. Seus domínios incluíam a Bélgica, a Holanda, a Alemanha e a Itália. Mais tarde, tentou incorporar também a Rússia. Antes, já havia invadido o Egito. Do seu ponto de vista, ser o imperador da América do Sul era, portanto, um projeto razoável e factível.
Além disso, sua ação reformadora na Europa, pondo fim aos antigos regimes de monarquia absoluta, contava com a simpatia de muitos revolucionários na América. Entre eles estavam os líderes da Revolução Pernambucana de 1817.
No começo de 1817, o comerciante Antônio Gonçalves Cruz, o Cabugá, foi enviado pelos revolucionários pernambucanos para a Filadélfia, antiga capital dos Estados Unidos. Levava na bagagem 800 mil dólares, quantia assombrosa para a época. Cabugá tinha três missões. A primeira era comprar armas para combater as tropas do rei dom João VI (1767-1826). A segunda, convencer o governo americano a apoiar a criação de uma república independente no Nordeste brasileiro.
O terceiro e mais espetacular de todos objetivos era recrutar alguns antigos revolucionários franceses exilados em território americano para, com a ajuda deles, libertar Napoleão em Santa Helena. Pelo plano, ele seria retirado na calada da noite e transportado a Recife, onde comandaria a revolução pernambucana para, em seguida, retornar a Paris e reassumir o trono de imperador da França.
Os projetos de Cabugá eram mirabolantes e estavam condenados ao fracasso antes ainda de serem colocados em prática. Quando chegou aos Estados Unidos, com o dinheiro arrecadado entre senhores de engenho, produtores de algodão e comerciantes favoráveis à proclamação da república, os revolucionários pernambucanos já estavam sitiados pelas tropas leais a dom João VI.
A rendição era inevitável. Sem saber de nada disso, Cabugá conseguiu recrutar quatro veteranos dos exércitos napoleônicos: o conde Pontelécoulant, o coronel Latapie, o ordenança Artong e o soldado Roulet. Todos chegaram ao Brasil muito depois de terminada a revolução e foram presos antes de desembarcar.
Um novo plano para libertar Napoleão foi concebido no ano seguinte pelo almirante Thomas Cochrane (1775-1860). Lorde inglês, membro do Parlamento britânico e herói da guerra contra Napoleão, Cochrane era uma lenda dos mares. Contratado como mercenário na América do Sul, ajudou a fazer as independências do Chile, do Peru e do Brasil, lutando contra as forças navais da Espanha e de Portugal.
Em agosto de 1818, Cochrane e sua mulher, Kitty, estavam em Boulogne, na França, à espera do navio a vapor Rising Star, que ele havia mandado construir na Inglaterra para lutar no Chile. Na viagem para a América do Sul, Cochrane pretendia fazer uma escala em Santa Helena e roubar Napoleão dos ingleses.
Em seguida, tentaria convencê-lo a assumir o trono de um império a ser construído na América do Sul, capaz de contrapor-se ao peso dos Estados Unidos ao norte do continente. Também nesse caso o plano fracassou. A construção do navio atrasou e, diante das notícias de que os espanhóis estavam ganhando terreno contra os chilenos, Cochrane decidiu seguir para seu destino final, sem parar em Santa Helena.
O sequestro de Napoleão também foi planejado em Nova Orleans, cidade de colonização francesa no sul dos Estados Unidos. Ali, em 1821, um grupo de amigos e oficiais do imperador chegou a promover uma campanha de arrecadação de fundos para comprar navios e arregimentar soldados que tentariam libertá-lo.
O projeto foi levado tão a sério que Nicholas Girod (1747-1840), descendente de imigrantes franceses e ex-prefeito da cidade entre 1812 e 1815, ofereceu sua própria residência como refúgio em território americano. A operação sequer chegou a ser executada porque Napoleão morreu nesse mesmo ano.
A causa da morte do imperador francês foi, por muito tempo, alvo de polêmica. De início, suspeitou-se que ele tivesse sido envenenado lentamente mediante a adição de arsênico na comida que os ingleses lhe serviam na prisão. Exames nos seus restos de cabelo, depositados numa urna no monumento Les Invalides, em Paris, apontaram traços desse produto acima do normal, mas não em quantidade capaz de matá-lo. Outras pesquisas apontam que a causa mais provável seria um câncer no estômago.
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