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Matérias / Pablo Neruda

Envenenado pela ditadura Pinochet? As dúvidas por trás da morte de Pablo Neruda

Apoiador de Salvador Allende, Pablo Neruda morreu apenas doze dias depois do Golpe de Estados que colocou Augusto Pinochet no poder

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
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Publicado em 25/02/2024, às 00h00

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O poeta Pablo Neruda - Biblioteca del Congreso Nacional de Chile
O poeta Pablo Neruda - Biblioteca del Congreso Nacional de Chile

Na última terça-feira, 20, a Justiça do Chile determinou que a morte do poeta e diplomata Pablo Neruda, há 51 anos, fosse investigada. Após mais de uma década de especulações, acredita-se que o escritor teria sido envenenado. 

"A reabertura do processo é ordenada para realizar as seguintes diligências solicitadas pelos querelantes", que "poderiam contribuir para o esclarecimento dos fatos", explica a sentença repercutida pela AFP.

Segundo a historiografia de Neruda, o chileno faleceu em 23 de setembro de 1973, aos 69 anos, vítima de um câncer de próstata. Mas, nos últimos anos, a causa passou a ser especulada a outro fator: a ditadura de Augusto Pinochet; entenda!

+ Gabo, Neruda e Pedro Pascal: Os nomes perseguidos pela Ditadura Pinochet

Pablo Neruda

Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1971, Pablo Neruda se tornou conhecido como poeta ainda quando tinha 13 anos. Ao longo de sua carreira, escreveu em uma variedade de estilos literários: como o surrealismo, histórias épicas, manifestos políticos, sua autobiografia em prosa e, principalmente, poemas de amor — entre eles, os mais conhecidos, 'Cem Sonetos de Amor' e 'Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada'.

O poeta Pablo Neruda - Wikimedia Commons / Domínio Público

Neruda ainda ocupou diversos cargos diplomáticos ao longo de sua vida, além de servir, por um mandato, como governador pelo Partido Comunista Chileno. A perseguição por conta de seu posicionamento político, aliás, começou ainda em 1948. 

Naquela época, o então presidente González Videla proibiu o comunismo no Chile; assim, um mandado de prisão foi emitido contra Pablo — que ficou escondido por meses no porão da casa de amigos em Valparaíso. 

No ano seguinte, ele conseguiu chegar à Argentina por meio de uma passagem nas montanhas perto do Lago Maihue. Pablo Neruda só retornaria ao seu país mais de três anos depois do episódio. 

Conforme recordam Eva Goldschmidt Wyman e Magdalena Fuentes Zurita em 'The Poets and the General: Chile's Voices of Dissent under Augusto Pinochet 1973–1989', Neruda sempre foi um conselheiro próximo de Salvador Allende

Em 1970, aliás, o poeta foi indicado à presidência do Chile, mas acabou apoiando Allende para o cargo. Salvador venceu as eleições e foi empossado naquele mesmo ano, se tornando o primeiro chefe de Estado socialista eleito democraticamente no Chile. 

Como forma de retribuição pelo suporte, Allende nomeou Neruda como embaixador do Chile na França entre 1970 e 1972. Além disso, apontam as autoras, quando voltou ao país, após receber o Nobel em Estocolmo, o presidente o convidou para ler no Estádio Nacional para um público de 70.000 pessoas. 

Mas tudo mudou no dia 11 de setembro de 1973, quando o ditador Augusto Pinochet deu um Golpe de Estado e derrubou o regime democrático constitucional do Chile — tirando Allende do poder. Doze dias depois, em 23 de setembro, Neruda estava morto

Envenenamento? 

Conforme repercute a BBC, Pablo Neruda sofria de câncer de próstata e seu atestado de óbito relatou que sua morte ocorreu em decorrência de uma caquexia cancerosa — a perda de tecido adiposo e músculo ósseo; um desgaste natural causado pela doença. 

Mas tudo começou a mudar em 2011, quando o antigo motorista e assistente pessoal de Neruda, Manuel Araya (falecido em junho de 2023, aos 77 anos), relatou que Pablo lhe ligou do hospital de Santiago, onde estava internado, dizendo que havia levado uma injeção no estômago enquanto dormia. 

O poeta Pablo Neruda/ Crédito: Domínio Público - Domínio Público

Neruda morreu poucas horas após o fato. A medida teria sido tomada para impedir o poeta de se exilar no México, onde planejava liderar uma oposição ao regime sanguinário e brutal de Pinochet

Eles assassinaram Neruda porque não era do interesse de Pinochet que ele deixasse o país", disse Araya à BBC pouco antes de falecer. 

Como resultado, um juiz chileno ordenou, em abril de 2013, que os restos mortais do escritor fossem exumados para uma nova investigação e testes forenses. Dois anos depois, o governo do Chile apontou que era "altamente provável que um terceiro" fosse o responsável pela morte de Pablo, segundo repercutiu o The Guardian. 

Já em 2017, um painel liderado por cientistas da Universidade McMaster em Toronto e da Universidade de Copenhague concluiu estar "100% convencido" de que o vencedor do Prêmio Nobel não foi vítima de câncer. 

Em fevereiro de 2023, novos desdobramentos das investigações. Conforme relatado à época pela equipe do site do Aventuras, os pesquisadores encontraram vestígios da bactéria Clostridium botulinum em um dos dentes de Neruda.

"A cepa do botulismo produz uma das toxinas mais mortais conhecidas pela humanidade, a botulínica, e é conhecida por ter sido usada como arma biológica em vários países", disseram em comunicado. 

O estudo também apontou que a célula biológica não teve contato com o corpo de Neruda a partir do caixão ou de sua área circundante. No entanto, alertaram que não há provas definitivas de que o Clostridium botulinum tenha matado Pablo, "nem que tenha sido usado intencionalmente para o fazer", repercutiu a BBC. 

Controvérsia

Com o anúncio da descoberta de vestígios da bactéria Clostridium botulinum no dente de Neruda, o sobrinho do poeta, Rodolfo Reyes, manteve ainda mais firme sua crença de que o chileno foi envenenado pela ditadura Pinochet

Agora sabemos que não havia razão para o clostridium botulinum estar ali nos seus ossos", disse à agência EFE. "O que isso significa? Significa que Neruda foi assassinado por intervenção de agentes do Estado em 1973".

"Encontramos a 'bala' que matou Neruda e estava em seu corpo", continuou. "Quem disparou? Descobriremos em breve, mas não há dúvida de que Neruda foi morto por intervenção direta de terceiros".

Apesar da convicção de Reyes, o outro sobrinho de Neruda, Bernardo Reyes, descreve toda a investigação como "patética" e uma falsa notícia. Já a Fundação Neruda, que cuida do espólio de Pablo, ainda mantém a versão de que ele morreu em consequência do câncer

Matilde Urrutia, viúva de Neruda, viveu por mais 12 anos após a morte do marido. Durante todo esse período, ela jamais alegou que o vencedor do Prêmio Nobel havia sido assassinado. No entanto, vale ressaltar, se surpreendeu com a morte rápida do poeta; visto que os médicos sempre disseram que ele viveria, pelo menos, mais seis anos. 

Urritia, porém, nunca teve dúvida de que Neruda morreu com o coração partido por ver o Golpe de Pinochet destruir tudo o que ele representava politicamente. Além dos relatos da Matilde, falecida em 5 de janeiro de 1985, os promotores chilenos também levam em consideração as diversas entrevistas de médicos, enfermeiros, políticos, diplomatas e amigos que estiveram com Neruda em seus últimos suspiros. 

Pinochet - Domínio Público

Segundo Aída Figueroa, amiga íntima do chileno, Pablo era um homem gravemente doente: "Ficou claro para mim que ele iria morrer", relatou. A mulher esteve com ele em suas últimas horas de vida. 

Mas o embaixador do México no Chile, Gonzalo Martínez Corbalá, que o viu no dia anterior, contesta essa expectativa: "Conversei com Pablo Neruda sobre os preparativos para a viagem iminente [ao México]", disse aos investigadores. "Obviamente lhe custou sair, mas ele também entendeu o papel que poderia desempenhar no exterior".

Não vi nada nele que sugerisse que estivesse em agonia, que não conseguisse falar ou se defender sozinho... ele não estava morrendo, muito menos em coma", afirmou. 

Um grande ponto levantado de toda essa questão foi: afinal, por qual motivo Manuel Araya demorou quase 40 anos para relatar o que ouviu de Pablo? O primeiro ponto alegado é que, durante os 17 anos da Ditadura Pinochet, que acabou em março de 1990, foram tempos sombrios para fazer tal alegação. 

Nas décadas posteriores, ele apontou que tentou convencer a imprensa a escutar sua versão, mas acabou desistindo: "Eu realmente não sabia como fazer isso e, de qualquer forma, ninguém queria ouvir". No entanto, semanas antes de sua morte, foi enfático em entrevista à BBC: 

Neruda foi assassinado… Eu disse isso desde o primeiro minuto e direi até o dia da minha morte."