Em 27 de janeiro de 1945, tropas soviéticas libertaram Auschwitz, marcando um momento crucial na história do Holocausto
Anualmente, 27 de janeiro marca o Dia Internacional da Memória do Holocausto. A data foi estabelecida pela ONU e seus estados-membros em 2005, escolhida por ser o mesmo dia em que ocorreu a libertação de Auschwitz-Birkenau, há exatos 80 anos.
O Dia Internacional da Memória do Holocausto também serve como uma forma de homenagear a memória dos mais de seis milhões de judeus mortos durante o Holocausto — além das centenas de milhares de outras vítimas do nazismo.
A data tem como objetivo não só a homenagem, como também servir para a promoção da educação sobre o Holocausto ao redor do mundo, assim como o desenvolvimento de programas que mantenham vivos a lembrança do que aconteceu durante o período; uma forma de prevenir episódios semelhantes nas gerações futuras.
As celebrações do 27 de janeiro também servem como uma forma de rejeitar todo e qualquer tipo de negação sobre a existência do Holocausto. Por esse motivo, a resolução encoraja a ONU e seus estados-membros a preservarem os locais usados pelos nazistas para a colocação da prática da Solução Final — como campos de extermínio, campos de concentração e prisões.
Para entender melhor a importância do Dia Internacional da Memória do Holocausto, conheça 5 fatos sobre o campo de concentração de Auschwitz.
Conforme aponta a Enciclopédia do Holocausto do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos (USHMM), Auschwitz I — principal campo do complexo de Auschwitz — foi inaugurado em 20 de maio de 1940. Situado na cidade de Oswiecim, próximo a Cracóvia, na Polônia ocupada.
Inicialmente, o local era um quartel de artilharia usado pelo Exército polonês no subúrbio de Zasole. Com o uso do trabalho escravo, porém, o campo foi expandido com a inauguração de Auschwitz II, ou Auschwitz-Birkenau, em 8 de outubro de 1941; e Auschwitz III, também chamado de Buna ou Monowitz, em outubro de 1942.
Usado principalmente como um campo de concentração com uma penitenciária, Auschwitz I também comportava um crematório e uma câmara de gás improvisada — que ficava localizada no porão da prisão (Bloco 11). Mais tarde, uma câmara de gás fixa foi construída dentro do crematório.
Já Auschwitz II era o que abrigava o maior número de escravos, com nove setores que abrigavam mulheres, homens, romanis (ciganos) e famílias deportadas do gueto de Theresienstadt. Em Auschwitz-Birkenau também existia quatro grandes prédios para cremação de prisioneiros.
Por fim, Auschwitz III era usado para fornecer escravos para a fábrica de borracha sintética de Buna, que fazia parte do conglomerado de indústrias alemães I.G. Farben — que investiu cerca de 700 milhões de Reichsmarks (aproximadamente $ 1.400.000 dólares, em valores de 1942) para aconstrução do campo.
Auschwitz foi o maior complexo de campos de prisioneiros estabelecido pelos alemães. Estima-se que mais de um milhão de pessoas morrem em Auschwitz. Segundo o USHMM, nove entre cada dez vítimas eram de origem judaica.
A Enciclopédia do Holocausto também aponta que as quatro maiores câmaras de gás do local suportavam, cada uma, cerca de 2 mil pessoas. Ou seja, em poucos minutos, o local tinha capacidade para matar por asfixia cerca de 8 mil vítimas.
Auschwitz também ficou caracterizado pela placa na entrada do complexo que dizia: "ARBEIT MACHT FREI" (ou "o trabalho liberta", em tradução livre). A verdade, no entanto, era totalmente diferente, visto que o trabalho havia se tornado uma forma de genocídio — algo chamado pelos nazistas de "extermínio por meio do trabalho".
Pessoas de todas as partes da Europa eram enviadas para Auschwitz através de trens em condições insalubres; sem banheiros, janelas, assentos, comidas ou comidade. Assim, muitas pessoas morriam durante os trajetos.
Quando chegavam em Auschwitz, ainda nas rampas de acesso ao local, as pessoas eram separadas em duas filas, recorda a BBC. Uma delas era para as aptas a trabalharem imediatamente. Os demais eram enviados para a morte nas câmaras de gás — sendo obrigadas a tirarem suas roupas e sentarem sob os chuveiros.
Os grupos dos 'sobreviventes', por assim dizer, eram imediatamente privados de sua identidade individual. Sendo assim, eles tinham suas cabeças raspadas e um número tatuado em seus braços esquerdos — uma forma de identificá-los, como se fossem objetos.
Os homens que passavam por esse processo eram obrigados a usarem pijamas listrados, calças e casacos — muitas vezes esfarrapados —, já as mulheres tinham um uniforme de trabalho. Ambos os grupos, ainda, recebiam calças de trabalho e tamancos; sempre em tamanhos inadequados. Eles também tinham que dormir com as mesmas roupas.
Sobreviver em Auschwitz era um desafio diário, visto que as condições eram cada vez mais insuportáveis. Após o trabalho, os prisioneiros eram alojados em barracões simples, sem janelas e tampouco isolações do frio ou calor. Além disso, os locais não tinham banheiros, apenas um balde comunitário.
Cada um dos barracões 'abrigava' cerca de 36 beliches de madeira, sendo que entre cinco e seis prisioneiros eram alocados em cada estrado. Assim, cada um dos barracões chegava a alojar cerca de 500 pessoas — muitas das quais morriam durante a noite.
Os prisioneiros também viviam com fome constante, visto que a comida era detestável e escassa. Cada um deles recebia apenas uma parcela de sopa aguada, preparada com carne e vegetais podres; pedaços de pão com um pouco de margarina; e chá ou uma bebida amarga que lembrava o café.
Por conta disso, era comum os prisioneiros terem diarreia. Assim eles, já enfraquecidos, sofriam com desidratação e inanição — ficando vulneráveis às doenças contagiosas que se espalhavam pelo campo.
Se sobreviver a Auschwitz era uma tarefa difícil, fugir de lá era igualmente impossível. Segundo a Enciclopédia do Holocausto do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos (USHMM), o complexo contava com cercas de arames farpados eletrificados que cercavam todo o campo de concentração e o centro de extermínio.
Além disso, as imediações do local também contavam com guardas armados com metralhadoras e rifles automáticos no alto de muitas torres. A vida dos prisioneiros era controlada por eles que, de maneira aleatória ou por puro deleite de fazer o mal, podiam aplicar golpes ou duros castigos. Os prisioneiros também sofriam nas mãos de alguns colegas, que eram escolhidos pelos guardas para supervisioná-los em troca de favores.
As pessoas que eram enviadas a Auschwitz também poderiam ser submetidas às cruéis 'experiências médicas' de Josef Mengele, médico da SS conhecido como 'Anjo da Morte'. Nos campos, Mengele usava homens, mulheres e crianças para terríveis e dolorosos teste médicos. Alguns de seus objetivos era descobrir tratamentos médicos melhores para os soldados e aviadores alemães.
Mas outras experiências tinham como objetivo aperfeiçoar os métodos de esterilização naqueles que os nazistas consideravam como seres inferiores. Não é preciso dizer que muitas pessoas morreram durante esses procedimentos; já outros foram mortos após a "pesquisa" ser concluída e seus órgãos removidos para outros estudos.
O USHMM aponta que a expectativa de vida das pessoas que chegavam a Auschwitz eram de semanas — ou quando muito, de meses. Além dos doentes e fracos que estavam condenados à morte nas câmaras de gás, muitos deles tiraram a própria vida se jogando contra as cercas eletrificadas. Ainda assim, por mais que os prisioneiros se assemelhassem a cadáveres andantes, muitos deles manteriam o ímpeto de sobreviver.
Embora Auschwitz tenha sido o campo de concentração mais famoso, ele não foi o único e tampouco o primeiro a ser libertado. Em 23 de julho de 1944, os soldados do Exército Vermelho entraram no campo de Majdanek, na Polônia ocupada.
Semanas depois, quando foi a vez de Auschwitz, em 27 de janeiro de 1945, os soldados soviéticos encontraram centenas de prisioneiros exausto e doentes; deixados para trás pelos alemães — que haviam levado centenas de outros na chamada Marcha da Morte.
Em 'O Livro da Segunda Guerra Mundial' (Globo Livros), é apontado que 9 mil pessoas foram encontradas em Auschwitz quando o campo foi libertado. Alguns dos prisioneiros ficaram tão felizes que se jogaram sobre os soldados em desespero, como uma forma de gratidão.
"[Os sobreviventes de Auschwitz] correram em nossa direção gritando, caíram de joelhos, beijaram as abas de nossos casacos e abraçaram nossas pernas", relatou o soldado Georgii Elisavetskii, segundo repercute o livro.
Ao recuarem do campo, os alemães deixaram uma terra arrasada, mas os soldados soviéticos ainda encontraram diversos pertences dos prisioneiros: como 348.820 paletós, 836.255 casacos femininos e dezenas de milhares de pares de sapatos. Além de 6,3 toneladas de cabelo humano.
Infelizmente, porém, alguns sobreviventes estavam fracos demais para viver por muito mais tempo e morreram logo nos dias seguintes à libertação. Estima-se que cerca de 7,5 mil pessoas permaneceram vivos após serem alimentadas e receberem tratamento médico adequado, relata 'O Livro da Segunda Guerra Mundial'.
"Boa parte do debate sobre crimes de guerra e direitos humanos, superando aquilo que tinha sido discutido no século 18 e passando a ter um novo conjunto de direitos humanos — em que os países tinham que ser signatários e que você tinha regras até para as guerras —, se intensifica a partir dos resultados do que aparecem nos campos de concentração. Dos quais Auschwitz acaba sendo um dos mais emblemáticos", destaca Rodrigo Rainha, historiador e professor da Estácio em entrevista à equipe do Aventuras.
"Quando os soviéticos conquistam Auschwitz, algo que chocou é que as vilas, as cidades do entorno, as fábricas ao redor, as pessoas que moravam na região… viviam normalmente ali, vivendo aqueles horrores", continua o historiador, destacando que o fato já foi retratado em diversas produções, como 'O Menino do Pijama Listrado' e 'Zona de Interesse'.
Rainha aponta que para evitar a discussão se os cidadãos alemães tinham conhecimento ou não do que acontecia nos campos, os soldados soviéticos colocaram essas pessoas dentro desses espaços.
Eles obrigaram as pessoas a irem e verem a situação que eles fizeram. Gerando mesmo uma ação de 'olha bem o que vocês foram capazes de fazer'. Isso foi muito emblemático. Em Auschwitz acontece isso de maneira muito clara. Tem terríveis cenas gravadas em vídeo que são chocantes", destaca.
O historiador ainda aponta que a memória do Holocausto foi muito discutida e fortalecida por conta do próprio crescimento do estado de Israel e as políticas relacionadas a seu governo. "Os judeus no mundo inteiro trabalham essa memória intensamente para que isso não se apague. Para que isso seja sublimado ou diminuído".
"É importante a gente afirmar que o negacionismo é muito recorrente. Então é um exercício fundamental", salienta.
Um exemplo da força e da importância dos relatos remetem ao 50º aniversário de libertação do campo, quando o escritor Elie Wiesel, sobrevivente do Holocausto e prêmio Nobel da Paz, discursou que os crimes nazistas em Auschwitz "produziram uma mutação em escala cósmica, afetando os sonhos e esforços do ser humano".
"Depois de Auschwitz, a condição humana não foi mais a mesma. Depois de Auschwitz, nada será igual".