Atlético Sorocaba fez uma série de visitas à Coreia do Norte para enfrentar a seleção local; nos jogos, placar identificava o time como a Seleção Brasileira
O sonho de qualquer jogador de futebol é representar a seleção de seu país. E no caso da Seleção Brasileira, a mais vitoriosa entre elas, esse desejo é ainda maior. Porém, alcançá-lo é uma realidade distante para muitos.
Seria inimaginável, por exemplo, um atleta do modesto Atlético Sorocaba — time do interior de São Paulo — conseguir tal feito, certo? Aí que muitos se enganam. Afinal, todos os atletas do clube já 'representaram' a Seleção Brasileira mais de uma vez em uma série de partidas contra a Coreia do Norte. Entenda!
Para entender essa confusão, primeiro precisamos entender como o Atlético Sorocaba foi chamado para enfrentar a seleção norte-coreana. Essa resposta é centrada em uma figura principal: Sun Myung Moon, o Reverendo Moon.
Nascido na Coreia do Norte, em 1920, o líder religioso ficou conhecido por fundar a Igreja da Unificação, em Seul, na Coreia do Sul. A doutrina acreditava que Deus, através de Jesus, havia escolhido Sun Myung Moon para representá-lo na Terra.
Acontece que a Igreja da Unificação ganhou milhares de seguidores e teve uma forte presença no Brasil, principalmente nos anos 1990. Por aqui, o Reverendo Moon adquiriu uma área de 80 mil hectares de terra no interior do Mato Grosso do Sul; onde levou centenas de asiáticos para viver por lá.
Além disso, ele também era um apaixonado por esporte e decidiu investir em dois times de menor expressão do futebol brasileiro: o já citado Atlético Sorocaba e também o Cene, do Mato Grosso do Sul.
O investimento na equipe paulista começou no início dos anos 2000 e teve um sucesso assombroso. Afinal, recorda o portal Lance!, o Atlético Sorocaba subiu da terceira divisão paulista para a primeira em 2003. Nesse período, o Reverendo Moon tinha a intenção de usar o clube para levar o futebol brasileiro para diversas partes do mundo.
Embora nascido na Coreia do Norte, o Reverendo Moon era um anticomunista declarado, mas ainda assim mantinha canais de contato com líderes de seu país natal, como Kim Il-Sung — avô do atual líder do país, Kim Jong-Un.
E foi com sua forte influência que ele levou o Atlético Sorocaba em quatro ocasiões diferentes para enfrentar a seleção da Coreia do Norte. As partidas aconteceram entre 2009 e 2015. Vale ressaltar que em 2010 os norte-coreanos disputaram sua segunda Copa do Mundo, perdendo para a verdadeira Seleção Brasileira na fase de grupos por 2x1.
Em novembro de 2019, o Atlético Sorocaba viajou para a Coreia do Norte para o primeiro amistoso da série. Como recorda o Lance!, o choque de realidade foi sentido logo quando os jogadores desembarcaram no aeroporto de Pyongyang, na capital do país.
Afinal, devido às regras extremas de lá, todos os atletas e membros da comissão tiveram seus celulares e passaportes confiscados. O fato faz com que os registros em imagens da excursão sejam um tanto quanto escassos — embora ainda existam.
Um dia antes da partida, que ocorreu no dia 6, o Atlético Sorocaba fez o reconhecimento do gramado no Kim Il Sung Stadium, sob os olhares da seleção norte-coreana.
Já no dia do jogo, o estádio estava abarrotado com cerca de 80 mil pessoas que faziam um barulho ensurdecedor. Mas outro ponto chamou ainda mais a atenção dos atletas: o placar eletrônico nomeava o Atlético Sorocaba como BRA (as três primeiras letras de Brasil). O jogo foi vendido para o público como uma partida contra a própria Seleção Brasileira, e não contra uma equipe do interior paulista.
"O placar eletrônico estava escrito Brasil, e as cores do Atlético Sorocaba são vermelha e amarela. Como a Coreia do Norte jogou de vermelho, nós atuamos de amarelo, e os caras acharam que éramos a Seleção Brasileira. O estádio tinha 80 mil pessoas e mais 30 mil para o lado de fora. O Imperador obrigou as pessoas a irem pro jogo, e quando ele fala, eles têm que ir. O estádio estava inteiro abarrotado", recordou Edu Marangon, técnico do Atlético Sorocaba naquela partida, em entrevista ao UOL.
Outro detalhe marcante para os atletas brasileiros foi a reação da torcida norte-coreana: que se mantinha em silêncio absoluto quando os brasileiros estavam com a bola, mas que explodiam de gritar quando a seleção local atacava. O jogo equilibrado acabou em 0x0.
Após a participação da seleção da Coreia do Norte na Copa de 2010, eles voltaram a enfrentar o Atlético Sorocaba em 2011, que na época era treinado por Fernando Diniz — que curiosamente chegou a comandar a verdadeira Seleção Brasileira de forma interina no ano passado.
Contra a base da seleção que disputou a Copa, o time paulista fez duas partidas naquela excursão: a primeira, disputada em gramado sintético, terminou 1x0 para os donos da casa. Apesar das intensas reclamações contra a arbitragem pela parte do time paulista.
"O bicho pegou no primeiro jogo, a arbitragem operou a gente. Lá o povo não gosta que você fale besteira, mas no futebol tem hora que não tem como. O Diniz e nós xingamos tanto a arbitragem, não sei se eles entenderam, mas falamos um monte. Eles ficaram com tanta vergonha que foram no hotel pedir outro jogo, mas o Diniz colocou a condição de ser na grama natural. O primeiro tinha sido na sintética", relembrou Ednei Ugueto, preparador de goleiros do Atlético Sorocaba na época, ao G1.
A segunda partida, em um campo de gramado natural, terminou em um empate sem gols. "Empatamos em 0 a 0 o segundo jogo, mas foi um jogão. Quando eles pegavam na bola parecia que ia desabar o estádio, aquela multidão gritando. Quando a gente pegava na bola, todos ficavam calados. Era silêncio no estádio inteiro", continua Ugueto.
Fernando Diniz ficou somente um ano no comando do Atlético Sorocaba. Apesar de levar o clube à elite do futebol paulista, acabou demitido pelas fortes contestações de torcedores e dirigentes, irritados pela quantidade de 'jogos ganhos' que o time perdia pontos por conta do futebol ofensivo e agressivo do treinador. Atualmente, Diniz é treinador do Cruzeiro (MG), já o Atlético Sorocaba encerrou suas atividades em 2016.
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