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Matérias / Ariano Suassuna

Ariano Suassuna e o Golpe de 64: de defensor a crítico do regime

Defensor do Golpe, Ariano Suassuna chegou a integrar o Conselho Federal de Cultura, mas também foi defensor de dom Hélder Câmara e Paulo Freire

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
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Publicado em 09/03/2025, às 12h00 - Atualizado em 15/03/2025, às 10h50

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Ariano Suassuna (à esqu.) e foto de tanques em Brasília (à dir.) - Rogério Tomaz Jr e Arquivo Público do Distrito Federal
Ariano Suassuna (à esqu.) e foto de tanques em Brasília (à dir.) - Rogério Tomaz Jr e Arquivo Público do Distrito Federal

Após o Golpe de 64, o regime militar buscou aproximação de intelectuais tradicionais, ao fundar uma comissão para elaborar uma política nacional de cultura. Assim, em novembro de 1966, foi criado o Conselho Federal de Cultura (CFC), com seus integrantes sendo intelectuais considerados 'neutros' ou apoiadores do golpe. Entre eles estava Ariano Suassuna

Conforme o artigo de Antônio de Pádua de Lima Brito, publicado pela Universidade Estadual de Campinas, intitulado 'Ariano Suassuna e o Regime Militar', foi durante o período ditatorial brasileiro que Ariano teve uma de suas fases mais produtivas

'Ariano Suassuna no teatro da vida'
Capa do livro 'Ariano Suassuna no teatro da vida' - Divulgação

Um exemplo disso foi a publicação de sua obra de ficção mais famosa 'A Pedra do Reino' (1971). Suassuna foi integrante do CFC entre 1967 e 1973 — órgão que representava o braço ideológico de setores nacionalistas que apoiavam o regime, conforme contextualiza Lima Brito

"A presença de Ariano Suassuna no Conselho Federal de Cultura (CFC) no período da ditadura, que aparece nos textos de Lucas Arruda e de Dimas Veras, não é para levarmos o autor a um imaginário tribunal da História, como pensam algumas pessoas", aponta o pesquisador Anderson da Silva Almeida, doutor e mestre em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF), que organizou a obra 'Ariano Suassuna no teatro da vida', em entrevista à Aventuras na História — citando dois pesquisadores que falam sobre o assunto no livro. 

Ariano e o Golpe

A obra debate um tema pouco levantado quando falamos sobre o dramaturgo paraibano: o período na ditadura militar brasileira (entre 1964 e 1985)

Silva Almeida aponta que o livro não busca sacralizar a figura do escritor, mas sim mostrar as contradições e ambivalências que formam Ariano: "uma mistura entre o popular e o erudito, o sagrado e o profano, o clássico e o moderno, a poesia e o romance, incluindo sua inicial visão monarquista e sua conversão para uma visão de esquerda do mundo".

Ariano Suassuna - Valter Campanato/Arquivo/Agência Brasil 

"Foi para mostrar que, em muitos momentos, a chave binária de apoiadores versus resistentes; vítimas versus algozes, nem sempre explicam as mudanças de rota e exames de consciência que marcaram indivíduos, instituições e parcelas da sociedade brasileira durante aquele período obscuro da ditadura", aponta.

Um exemplo disso é que outros importantes nomes também participaram ativamente do Conselho Federal de Cultura (CFC), como Gilberto Freyre, Raquel de Queiroz e João Guimarães Rosa. "Cada um deles ainda carece de uma atenção especial nos estudos sobre as relações entre intelectuais e regimes autoritários". 

"Nesse sentido, as pesquisas sobre trajetórias de vida são necessárias e incontornáveis. No livro que organizamos, constata-se que o mesmo Ariano acolheu em sua residência amigos que eram perseguidos pelos militares golpistas e a partir de 1977 passou a ser um crítico duro dos militares. É aí que está, a meu ver, a riqueza de trabalharmos a partir da perspectiva das ‘múltiplas faces’ e não construir uma hagiografia de Ariano, ou a biografia de um santo, de um herói", esclarece.

O pesquisador ainda reforça que as pesquisas sobre o período ditatorial brasileiro, principalmente no Nordeste, "carecem de muitos aprofundamentos sobre prisões, perseguições, torturas e desaparecimentos”.

Mas também sobre apoios, acomodações, metamorfoses e muitas famílias da fração dominante que estão aí até hoje e se deram muito bem, como é o caso da família Collor de Melo, em Alagoas. Nesses exemplos, os silêncios não são sinônimo de esquecimento e a historiografia está avançando com novas pesquisas".

De defensor a crítico

No livro organizado por Anderson da Silva Almeida, é apontado que, em primeiro momento, Ariano Suassunadefendeu o Golpe, mas depois acabou se tornando um crítico do regime militar e chegou até mesmo a defendeu a abertura política. Mas por que houve essa mudança?

"Nas pesquisas do Lucas Arruda, Antonio Brito e Dimas Veras há farta documentação — principalmente de jornais — do apoio de Ariano Suassuna à ditadura, marcadamente até a primeira metade da década de 1970. Ariano tinha divergências sérias com intelectuais comunistas em Pernambuco, a exemplo de Celso Marconi, que desaguaram, inclusive, em agressões físicas que partiram de Ariano", explica. 

O pesquisador conta que a vinculação de Suassuna com os militares surgiu a partir da ideia de que os generais seriam mais nacionalistas e defenderiam o que ele entendia como "cultura brasileira"; o que fez surgir sua divergência com a perspectiva do realismo socialista de intelectuais mais à esquerda. 

"Contudo, quando a ala nacionalista das Forças Armadas não corresponde às expectativas de Ariano, ele rompe abertamente e passa a fazer críticas contundentes nos jornais, chamando-os de entreguistas e até de traidores, apoiadores do capital estrangeiro que estaria 'invadindo, subornando, corrompendo, furtando e descaracterizando' o Brasil", recorda. 

O protetor Ariano

Paralelamente a isso, Ariano Suassuna protegia pessoas perseguidas pela ditadura militar, agindo também como interlocutor privilegiado de dom Hélder Câmara, bispo progressista..

Carta
Carta escrita por Paulo Freire para Ariano Suassua - Via Revista de Cultura da EFPE

Outro exemplo disso remete ao ano de 1968, quando Paulo Freire, então exilado no Chile, enviou uma carta a Suassuna agradecendo a ajuda diante da perseguição política que ele sofria. 

Silva Almeida aponta que a correspondência foi publicada e analisada por Carlos Newton Júnior, que é um pesquisador da vida e da obra de Ariano. "A missiva tem um tom de agradecimento, de gratidão e de reconhecimento de Paulo Freire ao apoio dado por Ariano à sua família, particularmente à esposa Elza, quando Freire passara por perseguições da ditadura e estava exilado no Chile, em maio de 1968". Entre outras coisas, Paulo Freire escreveu:

"Nunca me esqueço de sua valentia de querer bem, quando, ao chegar ao aeroporto do Recife, vindo de Brasília, num momento em que tudo era penumbra, interrogação, desconfiança, medo, denúncia, fuga, negação […]. Abraçando-me, quando cumprimentar-me, simplesmente cumprimentar-me, era uma ameaça a quem o fizesse. Você, Monte e outros, muitos outros, foram o contrário de alguns. Você, pelo contrário, veio sempre de frente ao meu encontro, a nosso encontro. Encarcerado, você procurava Elza, enquanto os que andavam de lado perderam nosso endereço…"

"Esse trecho mostra que, mesmo em lados distintos por algum tempo, existira uma verdadeira amizade", finaliza o pesquisador Anderson da Silva Almeida.