As memórias do menino polonês Michał Skibiński, que documentou sua infância e os horrores da Segunda Guerra em diário, quando tinha oito anos
Quando tinha apenas oito anos, Michał Skibiński recebeu uma tarefa para realizar durante as férias de verão, uma condição para passar de ano: teria que escrever uma frase por dia em seu caderno sobre qualquer coisa que tivesse acontecido em sua vida.
"Fui com meu irmão e a professora até a beira de um riacho", diz a primeira recordação escrita pelo garoto. Outras lembranças singelas seguem, retratando apenas a vida de uma criança, no âmago de sua inocência: "Tomei um sorvete no cassino".
Mas os registros de Skibiński logo se tornariam o retrato de tempos difíceis. Os passeios, momentos em família e brincadeiras — com datas exatas e frases curtas — deram espaço a um futuro de incertezas: "Começou a Guerra".
Nascido em Varsóvia, na Polônia, Michał escreveu a primeira entrada em seu diário em 15 de julho de 1939; ou seja, apenas algumas semanas antes da invasão da Alemanha nazista ao seu país e, consequentemente, ao início da Segunda Guerra Mundial.
Na madrugada daquele 1º de setembro, a Alemanha nazista lançou um ataque surpresa contra a Polônia, utilizando uma força avançada de mais de 2.000 tanques, apoiados por quase 900 bombardeiros e cerca de 400 aviões de combate.
Destacando mais de 1,5 milhão de homens para a invasão, as forças alemãs rapidamente romperam as defesas polonesas ao longo da fronteira e avançaram sobre sua capital, Varsóvia, realizando um grande cerco ao redor daquela cidade.
"Lançaram uma bomba perto da gente", destaca a entrada escrita por Skibiński em 6 de setembro. Na sequência dos dias, mais registros da Guerra: "Os alemães ocuparam a cidade", "Os aviões não param de circular", "Vai começar uma batalha assustadora" e "Ouvimos disparos de canhões" dão o tom de como a vida já não era mais tão alegre assim; embora a esperança de Michał resista em meio ao caos: "Varsóvia continua a se defender com valentia".
Diferente de outros registros famosos do período, como o sucesso mundial 'O Diário de Anne Frank', a escrita do garoto é mais simplista; com frases curtas e poéticas. Mas não menos sentimentais e importantes: "Fiquei me escondendo dos aviões".
Misturando reproduções das anotações reais, digitalizadas com a caligrafia original de Michał, o livro 'Hoje Eu Vi um Pica-pau', recém-publicado pela Editora Baião, também oferece as nuances da vida da criança através de ilustrações feitas pela artista polonesa Ala Bankroft. Assim, conforme a crise se agrava, as cores vívidas e alegres dos desenhos ganham tons mais escuros e esfumaçados.
A delicada narrativa se contrapõe com a destruição do conflito. Os momentos simples são ocupados pela complexidade da Guerra. Mas ainda assim, Michał Skibiński mantém um jeito único de ver a vida: pelos olhos de quem continua a sonhar, mesmo diante da incerteza do futuro.
No dia 29 de agosto de 1939, um respiro de alívio: "Papai veio me visitar". Aquela, porém, seria a última vez que o veria. Aviador polonês, o pai de Michał morreu durante uma campanha, em 9 de setembro, no dia seguinte ao registro: "Dei comida para as galinhas e para os pintinhos".
A última anotação, "Um avião inglês lançou três bombas sobre o exército", de 15 de novembro de 1939, não possui ilustração. A frase reverbera os rumores e a expectativa de que os ingleses pudessem ajudar os poloneses. Algo que jamais aconteceu.
Mas Michał Skibiński resistiu. Pós-Guerra, concluiu o Ensino Médio e se dedicou à educação e orientação de pessoas surdas. Nos anos 1970, teve que enfrentar a morte da mãe e sua volta ao passado ao reencontrar seu diário que assim como ele também sobreviveu aos tempos difíceis.
Os registros chegaram às mãos de seus sobrinhos, que confiou o material à editora polonesa Dwie Siostry, responsável pela publicação original da história em 2019. Atualmente com 95 anos, Michał vive desde 1997 em uma casa de repouso para padres idosos.