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Matérias / Segunda Guerra

A eclosão da Segunda Guerra sob o olhar de uma criança: 'Lançaram uma bomba'

As memórias do menino polonês Michał Skibiński, que documentou sua infância e os horrores da Segunda Guerra em diário, quando tinha oito anos

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
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Publicado em 21/01/2025, às 18h00

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Foto de Michał Skibiński nos dias atuais - Divulgação/Editora Baião
Foto de Michał Skibiński nos dias atuais - Divulgação/Editora Baião

Quando tinha apenas oito anos, Michał Skibiński recebeu uma tarefa para realizar durante as férias de verão, uma condição para passar de ano: teria que escrever uma frase por dia em seu caderno sobre qualquer coisa que tivesse acontecido em sua vida. 

"Fui com meu irmão e a professora até a beira de um riacho", diz a primeira recordação escrita pelo garoto. Outras lembranças singelas seguem, retratando apenas a vida de uma criança, no âmago de sua inocência: "Tomei um sorvete no cassino".

Ilustração sobre a entrada de 28/07/1939 "Hoje eu vi um pica-pau" - Ala Bankroft/Editora Baião

Mas os registros de Skibiński logo se tornariam o retrato de tempos difíceis. Os passeios, momentos em família e brincadeiras — com datas exatas e frases curtas — deram espaço a um futuro de incertezas: "Começou a Guerra". 

O início da Guerra

Nascido em Varsóvia, na Polônia, Michał escreveu a primeira entrada em seu diário em 15 de julho de 1939; ou seja, apenas algumas semanas antes da invasão da Alemanha nazista ao seu país e, consequentemente, ao início da Segunda Guerra Mundial

Na madrugada daquele 1º de setembro, a Alemanha nazista lançou um ataque surpresa contra a Polônia, utilizando uma força avançada de mais de 2.000 tanques, apoiados por quase 900 bombardeiros e cerca de 400 aviões de combate.

Ilustração sobre a entrada de 26/07/1939 "Um avião circulou sobre a cidade de Anin" - Ala Bankroft/Editora Baião

Destacando mais de 1,5 milhão de homens para a invasão, as forças alemãs rapidamente romperam as defesas polonesas ao longo da fronteira e avançaram sobre sua capital, Varsóvia, realizando um grande cerco ao redor daquela cidade.

"Lançaram uma bomba perto da gente", destaca a entrada escrita por Skibiński em 6 de setembro. Na sequência dos dias, mais registros da Guerra: "Os alemães ocuparam a cidade", "Os aviões não param de circular", "Vai começar uma batalha assustadora" e "Ouvimos disparos de canhões" dão o tom de como a vida já não era mais tão alegre assim; embora a esperança de Michał resista em meio ao caos: "Varsóvia continua a se defender com valentia". 

Diferente de outros registros famosos do período, como o sucesso mundial 'O Diário de Anne Frank', a escrita do garoto é mais simplista; com frases curtas e poéticas. Mas não menos sentimentais e importantes: "Fiquei me escondendo dos aviões". 

Misturando reproduções das anotações reais, digitalizadas com a caligrafia original de Michał, o livro 'Hoje Eu Vi um Pica-pau', recém-publicado pela Editora Baião, também oferece as nuances da vida da criança através de ilustrações feitas pela artista polonesa Ala Bankroft. Assim, conforme a crise se agrava, as cores vívidas e alegres dos desenhos ganham tons mais escuros e esfumaçados.

Ilustração sobre a entrada de 10/09/1939 "Vai acontecer uma batalha assustadora" - Ala Bankroft/Editora Baião

A delicada narrativa se contrapõe com a destruição do conflito. Os momentos simples são ocupados pela complexidade da Guerra. Mas ainda assim, Michał Skibiński mantém um jeito único de ver a vida: pelos olhos de quem continua a sonhar, mesmo diante da incerteza do futuro. 

No dia 29 de agosto de 1939, um respiro de alívio: "Papai veio me visitar". Aquela, porém, seria a última vez que o veria. Aviador polonês, o pai de Michał morreu durante uma campanha, em 9 de setembro, no dia seguinte ao registro: "Dei comida para as galinhas e para os pintinhos".

A última anotação, "Um avião inglês lançou três bombas sobre o exército", de 15 de novembro de 1939, não possui ilustração. A frase reverbera os rumores e a expectativa de que os ingleses pudessem ajudar os poloneses. Algo que jamais aconteceu. 

Mas Michał Skibiński resistiu. Pós-Guerra, concluiu o Ensino Médio e se dedicou à educação e orientação de pessoas surdas. Nos anos 1970, teve que enfrentar a morte da mãe e sua volta ao passado ao reencontrar seu diário que assim como ele também sobreviveu aos tempos difíceis.

Os registros chegaram às mãos de seus sobrinhos, que confiou o material à editora polonesa Dwie Siostry, responsável pela publicação original da história em 2019. Atualmente com 95 anos, Michał vive desde 1997 em uma casa de repouso para padres idosos.