País receberá de volta manuscritos de monges que deixaram o país diante de ataques de vikings, há mais de um milênio
Há mais de um século, diante de ataques de vikings, monges irlandeses levaram manuscritos preciosos para o continente europeu. Além de protegê-los das investidas do povo nórdico, eles também visavam espalhar o cristianismo e o conhecimento pela Idade das Trevas.
Aquela altura, os religiosos não sabiam o que aconteceria com os livros: eles sobreviveriam? Retornariam algum dia ao país? Agora, um milênio depois, as obras — que incluem escrituras religiosas, análises linguísticas, piadas rabiscadas e uma coleção descrita como a internet do mundo antigo — retornam à Irlanda pela primeira vez.
Conforme repercute o The Guardian, a Abadia de Saint Gall, na Suíça, emprestará 17 destes manuscritos ao Museu Nacional da Irlanda, em Dublin, onde ocorrerá uma exposição que exibirá os livros com mais de 100 artefatos de seu próprio acervo.
"O que estamos tentando fazer é reconstituir essas jornadas e o mundo em que esses manuscritos foram produzidos", disse Matthew Seaver, curador da exposição 'Palavras na Onda: Irlanda e São Galo na Europa Medieval', ao The Guardian.
Esses livros são essenciais para a compreensão de nós mesmos, da nossa língua e dos nossos vínculos com o continente. Seu valor e importância são difíceis de superestimar".
Embora a Irlanda tenha retido o Livro de Kells, considerada uma obra-prima, hoje em exposição no Trinity College Dublin, o país perdeu a maioria de seus livros antigos para os vikings e durante os séculos seguintes de turbulência política. "É por isso que hoje existem mais manuscritos irlandeses na Grã-Bretanha e no continente do que na Irlanda", explica o curador.
Após o país se converter ao cristianismo, seus monastérios se tornaram centros de aprendizagem, produzindo e replicando manuscritos acadêmicos e religiosos, como a cópia mais antiga sobrevivente de 'Etymologiae' — uma enciclopédia da origem das palavras que foi chamada de 'internet da antiguidade'.
Escribas também escreveram um livro de gramática intitulado 'Institutiones Grammaticae de Prisciano', onde é registrado as regras da língua latina. Um fato curioso é que nas margens das páginas os escribas anotaram comentários sobre suas vidas, como um deles admitindo estar "morto de cerveja"; ou seja, de ressaca. Outros reclamaram do frio ou da qualidade de seus materiais: "Pergaminho novo, tinta ruim. Não digo mais nada."
"Eles estão repletos de vozes humanas, humor, frustração e resiliência, oferecendo-nos um vislumbre raro e muito real da vida cotidiana e das personalidades dos monges irlandeses do início da Idade Média", destaca o curador.
A biblioteca da abadia, agora patrimônio mundial da Unesco, concordou em emprestar 17 manuscritos para a exposição, que ocorrerá de 30 de maio a 24 de outubro.