Uma carta escrita por Napoleão Bonaparte, na qual ele simula surpresa e desaprovação pela prisão do Papa Pio VII, foi leiloada por R$ 170 mil na França
Uma carta escrita por Napoleão Bonaparte, na qual ele simula surpresa e desaprovação pela prisão do Papa Pio VII — decisão que ele próprio havia ordenado — foi arrematada neste domingo, 27, por 26.360 € (cerca de R$ 170,5 mil).
A venda ocorreu em um leilão realizado em Fontainebleau, na França, organizado pela casa de leilões Osenat, que classificou o documento como uma verdadeira “manobra política”.
Datada de 23 de julho de 1809 e assinada com o diminutivo "Napole", a carta foi endereçada ao arqui-reitor Jean-Jacques-Régis de Cambacérès. Nela, Napoleão tenta se eximir da responsabilidade direta pela detenção do pontífice. Ele afirma:
Foi sem minhas ordens e contra a minha vontade que o Papa foi levado para fora de Roma; foi novamente sem minhas ordens e contra a minha vontade que ele foi levado para a França. Mas só fui informado disso dez ou doze dias depois de ter sido executado. A partir do momento em que eu soubesse que o Papa estava parado em algum lugar, e minhas intenções pudessem ser conhecidas a tempo (sic) e executadas, eu veria quais medidas teria que tomar...”
Apesar da alegação de surpresa, os registros históricos confirmam que a ordem para prender o religioso partiu do próprio Napoleão. Na madrugada de 5 para 6 de julho de 1809, o general Radet, a mando do imperador, invadiu o Palácio do Quirinal, em Roma, e capturou Pio VII, que permaneceria em cativeiro por cinco anos.
"Esse episódio marcou o auge de um conflito prolongado — primeiro latente, depois aberto — com o papa que havia o coroado como imperador. Após a recusa de Pio VII em apoiar o Bloqueio Continental, Napoleão respondeu com medidas cada vez mais duras: ocupou partes dos Estados Pontifícios, tomou portos estratégicos, enviou tropas a Roma em 2 de fevereiro de 1808 e, em março, expulsou os cardeais estrangeiros", diz o comunicado divulgado pela casa de leilões.
Segundo Jean-Christophe Chataignier, diretor do departamento do Império na Osenat, a carta foi cuidadosamente redigida para proteger a imagem do imperador. “Ele quer demonstrar sua autoridade sem ser desmentido e, em vez de dizer 'contra a minha vontade', ele escreve 'sem a minha vontade. Ele não deveria aparecer como aquele que mandou prender o Papa; isso é histórico e hiperestratégico", afirmou à AFP.
O especialista acrescentou que Napoleão tinha plena consciência de que o documento seria divulgado e, por isso, tratou de moldar sua narrativa. “Essa prisão é um dos episódios que marcaram seu reinado, tanto política quanto religiosamente”, concluiu.