História do britânico que ajudou a salvar 669 crianças antes da 2ª Guerra chega hoje aos cinemas, mas o que ele disse além do mostrado em 'Uma Vida'?
Publicado em 14/03/2024, às 18h00 - Atualizado em 15/04/2024, às 17h51
'Uma Vida: A História de Nicholas Winton' chega aos cinemas nesta quinta-feira, 14. O longa, baseado em obra homônima escrita por Barbara Winton (filha de Nicholas), publicada no Brasil pela editora Cultrix, conta a história do britânico que ajudou a salvar 669 crianças antes do início da Segunda Guerra Mundial.
"Em 1938, Winton visitou Praga e se deparou com famílias vivendo em condições extremamente precárias e sob a constante ameaça de uma invasão nazista. Em uma corrida contra o tempo, Winton e um improvável grupo de apoio trabalharam incansavelmente para resgatar o maior número de crianças possível antes do fechamento das fronteiras", narra a sinopse da produção, distribuída pela Diamond Films.
"Cinquenta anos depois, em 1988, Winton vive assombrado pelo destino das crianças que não conseguiu levar em segurança para a Inglaterra. Somente após um reencontro surpreendente com algumas dessas pessoas resgatadas, ele finalmente começa a se reconciliar com a culpa e o sofrimento que carregou por cinco décadas", continua a descrição.
Mas o que Nicholas Winton disse sobre seus feitos? O material abaixo foi compilado pelo United States Holocaust Memorial Museum, que recolheu entrevistas em áudio de Winton em vida.
Corretor da bolsa de valores, Nicholas Winton soube da situação da Tchecoslováquia pouco antes do início da Segunda Guerra. Em 1938, ele planejava passar o Natal esquiando na Suíça, no entanto, a ligação de um amigo o fez mudar de planos e se dirigir até Praga.
No país, ele se deparou com a anexação dos Sudetos pela Alemanha nazista. "Todos na Inglaterra disseram: 'Esta é a última ambição de Hitler e ele não vai fazer mais nada'... Mas, daquele momento em diante, a Tchecoslováquia ficou bastante indefesa, de qualquer forma".
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No país, Nicholas foi chamado para ajudar o Comitê Britânico para Refugiados da Tchecoslováquia. "Bem, como eu disse, andei pelos campos e fui informado sobre as pessoas que o Comitê Britânico estava tentando libertar. E todos os dias eu me encontrava com Doreen Wariner para discutir o que estava acontecendo", explicou ele.
"Geralmente nos encontrávamos em um dos grandes hotéis, o Alcron, e discutíamos o que estava acontecendo. E durante a conversa ela disse: 'Há todas essas crianças, você sabe, que deveriam ser retiradas, mas o Comitê Britânico simplesmente não pode fazer nada a respeito. Eles estão sobrecarregados com a tarefa de tentar libertar os refugiados políticos, os escritores e todas as pessoas em perigo", prosseguiu.
Ela me disse: 'Olha, se alguma coisa pode ser feita, talvez você queira tentar fazer'. E foi assim que tudo começou".
Nicholas Winton ficou uma semana no país. De volta à Inglaterra, seu plano se beneficiou por um fato histórico: entre 9 e 10 de novembro de 1938, um pogrom nazista permitiu que membros das alas paramilitares do partido nazista, as SA e SS, e outros alemães promovessem ataques contras lojas judaicas e sinagogas. O episódio ficou conhecido como Kristallnacht, ou a Noite dos Cristais.
Com a violência, a Câmara dos Comuns aprovou uma medida na qual foi permitido que refugiados entrassem na Grã-Bretanha. No entanto, deveriam ser menores de 17 anos, ter garantia de um endereço e uma quantia de 50 libras teria que ser pago por pessoa — uma forma de garantir fundos para seus eventuais retornos para seus países de origem.
"Quando voltei para a Inglaterra, estava trabalhando na bolsa de valores, que felizmente era um trabalho que terminava às três e meia da tarde, permitindo que eu pudesse continuar tentando fazer providências para trazer as crianças", recorda Winton, que trabalhou durante todo esse tempo de sua casa, em Hampstead.
"A reverenda Rosalind Lee, que mencionei, me enviou as primeiras cem libras para pagar a correspondência e tudo mais. E conseguimos que jornais como o Picture Post escrevessem artigos dizendo que procurávamos fiadores e que procurávamos lares onde estas crianças seriam cuidadas até ao fim da guerra", segue.
"E isto começou a aparecer. À medida que arranjávamos pessoas que aceitariam as crianças, passamos a enviar listas e fotografias. Também pedimos para que escolhessem as crianças; depois enviamos tudo para Trevor Chadwick em Praga, que em seguida, providenciou o transporte e a reunião das crianças, enquanto cuidávamos para que as pessoas que estavam recebendo as crianças chegassem à estação Liverpool Street para recebê-las".
O britânico também relatou que, durante todo o processo para salvar as crianças, ele viveu praticamente uma 'vida dupla'. "Saía do escritório e ia para casa fazer o outro trabalho. Não me pareceu estranho na época… Foram duas vidas diferentes".
Winton ainda recordou que raramente falava com seus colegas de trabalho, na bolsa de valores, sobre a operação que organizava no período. "Quase todos eles ou a maioria deles tinham visões e opiniões políticas completamente diferentes das minhas, então não fazia sentido discutir o assunto".
"Eles não puderam ajudar de forma alguma. Pelo menos alguns deles com quem eu era mais amigo provavelmente me deram algum dinheiro para o funcionamento do escritório, mas não consigo mais me lembrar desses detalhes. Não creio que quando saí da cidade, às três e meia, a maioria das pessoas soubesse o que eu fazia à noite. Eu não acho. Quer dizer, certamente não havia ninguém que eu conhecesse na cidade que de alguma forma me ajudasse no que eu estava fazendo em relação às crianças, absolutamente ninguém. Eram duas existências, separadas, independentes".
Durante todo o processo,Nicholas Winton ajudou a resgatar 669 crianças, que chegaram à Inglaterra através de oito trens. No entanto, devido ao senso de urgência, ele não teve tempo de sempre selecionar os melhores lares para os refugiados.
Embora a maioria das crianças que trouxemos fossem judias, eu só procurava famílias que cuidassem de crianças. Não estava nem um pouco preocupado se essas crianças iam para famílias judias ou não-judias", disse.
"Não me pareceu uma questão, quando procurávamos uma família para cuidar das crianças, que um judeu deveria ir para um judeu ou um não-judeu deveria ir… pareceu-nos naquela época, talvez porque eu também não sou religioso, não sei, mas me pareceu completamente secundário. O principal era salvar as crianças", afirmou.
Por fim, Nicholas Winton ainda comentou sobre a experiência de algumas das crianças em lares adotivos. "Daqueles que sabemos onde o fiador continua vivo, eles são muito fiéis em manter contato. Mas é claro, preciso admitir que muitas crianças não ficaram felizes para onde foram enviadas".
"E, de fato, quando a guerra começou, havia um departamento de cuidados posteriores, do qual mamãe cuidava e que tentava, quando as crianças tinham problemas, resolver os problemas ou conseguir novos lares para elas. Mas certamente não presumo e não se pode presumir que todas as crianças que trouxemos foram para uma casa foram bem tratadas e felizes".
Mas muito das que conhecemos eram. Certamente conhecemos alguns que não foram, que foram maltratados e usados como servos. Mas, francamente, na época, não pensei nisso e isso realmente não me preocupa muito agora. Quero dizer, é provável que haja alguns que não ficaram felizes e tudo o que se pode dizer é que eles ainda estão vivos, enquanto a maioria das outras crianças não", finalizou.
As crianças que não sobreviveram, conforme recordou Winton, são os 250 refugiados barrados no nono vagão que ele planejava levar para a Inglaterra. Com a invasão da Polônia, o que marcou o início do conflito, o caminho se impossibilitou. Infelizmente, nenhuma delas sobreviveu.