Da fundação da cidade de Juazeiro do Norte ao fenômeno da beata Maria de Araújo: conheça cinco fatos sobre o 'Milagre da Hóstia'
Figura cultuada por muitos católicos brasileiros, o religioso Padre Cícero é considerado fundador e padroeiro da cidade cearense de Juazeiro do Norte, na região do Vale do Cariri.
Padim Ciço, como é carinhosamente apelidado pelos devotos, foi um dos protagonistas do chamado 'Milagre da Hóstia de Juazeiro', que posteriormente seria conhecido como o primeiro fenômeno religioso experienciado pelo padre.
Envolto em curiosidades e mistérios, a redação de Aventuras na História traz cinco fatos sobre o intrigante milagre que colocaria a cidade de Juazeiro do Norte no radar das tradições católicas nacionais. Confira a lista a seguir!
O ano era 1889, e Padre Cícero dirigia um grupo de devotas chamado "Apostolado da Oração", composto por cerca de 11 mulheres, na capela do então povoado de Juazeiro do Norte.
Em uma noite daquele ano, o líder religioso organizou uma vigília com o apostolado. Entre as discípulas de Padim Ciço, estava a beata Maria de Araújo, que protagonizaria o espantoso fenômeno.
Durante o ritual do grupo, no momento da eucaristia, um acontecimento chocante viria a marcar a história de Juazeiro: quando Maria recebeu a hóstia sagrada, viu o pequeno círculo de trigo se converter em sangue puro no momento em que tocou sua língua.
Desde então, o fenômeno repercutiu de tal maneira que viria, no futuro, a ser conhecido como o 'Primeiro Milagre de Padre Cícero', que — como dito anteriormente — foi quem ministrou a reveladora cerimônia.
Inevitavelmente, a notícia do milagre da hóstia se espalhou em pouco tempo pelos quatro cantos do país. O jornalista José Marrocos, primo de Padre Cícero, teve papel fundamental na divulgação das excitantes boas novas.
Reza a lenda que Marrocos tornou-se devoto de Maria de Araújo imediatamente após tomar conhecimento do fenômeno. Redator do Jornal do Comércio, no Rio de Janeiro, foi ele quem disseminou nas terras cariocas, e em tantos outros jornais do país, a proeza da beata.
Logo, religiosos de diversas partes do país passaram a organizar romarias e expedições para visitá-la em Juazeiro, atrás de sua bênção.
Cícero Romão Batista nasceu em 24 de março de 1844, na região do Crato: o sertão cearense. Filho de um comerciante e uma dona de casa muito religiosa, viria a ser ordenado padre em novembro de 1870. Entretanto, o próprio Padim Ciço já havia firmado um pacto de castidade muitos anos antes, quando tinha apenas 12 anos, em meados de 1856.
Pouco tempo após sua ordenação, em abril de 1872, fora designado pároco da capela do povoado de Juazeiro, local onde testemunharia a prova sagrada de Maria de Araújo.
Padre Cícero também teve um importante papel na chamada 'Guerra de Juazeiro'. Tendo sido eleito o primeiro prefeito da cidade após sua emancipação em 1911, uniu forças ao cangaço para expulsar da região as tropas do general Franco Rebelo, no ano de 1914. Há, inclusive, registros de que Padim Ciço conheceu Lampião.
O líder religioso morreu em 20 de julho de 1934, aos 90 anos.
Maria de Araújo era uma mulher negra, filha provavelmente de pessoas forras. Ela nasceu em 1862, já liberta. Veio de uma família pobre, com muitos irmãos, e se dedicava a lavar roupas, trabalhando como lavadeira e costureira.
Até seus 27 anos — à época em que se tomou conhecimento do milagre — Maria era uma mulher simples e dedicada à vida religiosa. Entrou no apostolado de Padim Ciçovisando se tornar freira, apesar do privilégio ser reservado às mulheres brancas da elite social; por isso não conseguiu alcançar a meta.
A beata carregava consigo evidentes sinais de santidade. Quando ela foi visitada pelos padres Glicério da Costa Lobo e Francisco Ferreira Antero, descobriu-se que Maria carregava os estigmas de Cristo nos pés, nas mãos e na testa.
Além disso, há registros que afirmam que a beata tinha visões e fazia "viagens espirituais" com Jesus, explica a historiadora Dia Nobre, autora de "Incêndios da Alma". Em uma dessas experiências, teria se casado com Cristo, na presença de Maria e São José.
"Ela conversava com ele. (...) Aos 18 anos, ela conta que casou com Cristo numa cerimônia realizada na capela de Nossa Senhora das Dores. E na cerimônia estavam São José, Maria e vários anjos", explicou Nobre em entrevista à AH.
A história do 'Milagre de Juazeiro' não conseguiu se ver livre de polêmicas. Dom Antônio Joaquim Vieira, bispo da diocese do Crato à época do fenômeno, defendia a tese de que Maria de Araújo era uma falsária, e enviou o padre Alexandrino de Alencar para desmascarar o 'falso milagre', relembra Dia Nobre.
O que torna a situação ainda mais delicada é que romarias anteriores, organizadas por padres da própria diocese, comprovaram a santidade de Maria com um corpo médico. Entretanto, sob ordens de Dom Antônio, o padre Alexandrino escreveu um relatório, no qual afirmava que Maria era uma embusteira.
A polêmica resultou em uma perseguição intensa da Igreja Católica à beata, que foi forçada a passar os últimos anos de sua vida confinada em uma casa de caridade.
Maria morreu em 17 de janeiro de 1914, e foi inicialmente enterrada na região do Vale do Cariri. Entretanto, o túmulo foi saqueado algum tempo após o enterro, e seu corpo sumiu repentinamente. O paradeiro do cadáver de Maria de Araújo é um mistério até hoje.