Com especialidades em teologia, direito canônico e Honoris Causa em humanidades, novo papa pode (talvez) não ser pop, mas é um grande intelectual
Robert Prevost, o norte-americano que nesta quinta-feira, 8, foi eleito papa sob o nome de Leão XIV, tem um histórico pouco comum para quem assume o cargo mais alto da Igreja Católica: ele é um cientista.
Graduado em Matemática pela Universidade Villanova, na Pensilvânia (EUA), formou-se com apenas 22 anos, em 1977. Ao longo de sua carreira acadêmica e religiosa, produziu obras que investigam a relação entre fé e razão — com direito a publicações científicas e críticas filosóficas.
Entre seus temas de estudo estão a probabilidade aplicada à existência de Deus e os conflitos entre fé e ciência no ensino escolar. Pode parecer curioso que alguém tão ligado ao universo científico esteja à frente da Igreja.
Mas o contexto ajuda a explicar: Villanova é uma universidade agostiniana, ou seja, baseada nos ensinamentos de Santo Agostinho, teólogo do século IV que defendia a harmonia entre fé e razão. Para ele, a fé abre as portas da razão, e a razão aprofunda a fé.
Depois da graduação em Matemática, Prevost seguiu os caminhos da teologia. Obteve o mestrado em Divindade na Catholic Theological Union, em Chicago, sendo ordenado sacerdote em 1982.
Logo depois, aprofundou seus estudos em direito canônico no Pontifício Colégio de Santo Tomás de Aquino, em Roma, onde conquistou a licenciatura (1984) e o doutorado (1987). Em 2014, foi homenageado pela própria Universidade Villanova com o título de Doutor Honoris Causa em Humanidades.
Em 1990, publicou seu livro mais conhecido, Probabilidade e Explanação Teísta, pela prestigiada Clarendon Press, ligada à Universidade de Oxford. Na obra, Prevost discute a chamada “teologia natural” — que busca compreender Deus a partir da razão e da observação do mundo, sem recorrer a revelações sobrenaturais. Ele também analisa criticamente a abordagem teísta de dois filósofos influentes: Richard Swinburne e Basil Mitchell.
No prefácio do livro, Prevost escreve: “Esta é a primeira comparação integral entre dois estilos distintos de justificação da crença religiosa”. A crítica mais contundente é dirigida a Swinburne, por dois motivos principais:
Swinburne aplica esse teorema matemático — que calcula a probabilidade de um evento com base em novas evidências — para tentar demonstrar que é razoável acreditar em Deus.
Prevostdiscorda veementemente. Segundo ele, não se pode aplicar esse modelo estatístico a questões de fé. “O teorema de Bayes não pode ser usado para determinar critérios que testem a probabilidade da hipótese teísta”, afirma, antes de apresentar sua argumentação matemática.
Swinburne tenta explicar Deus a partir de causas e efeitos, em um modelo próximo ao científico. Prevost considera essa visão limitada. Para ele, a crença em Deus não deve se restringir à causalidade, mas abarcar o sentido da vida, os valores morais e o contexto histórico. A fé, argumenta, precisa ser analisada também sob lentes subjetivas e simbólicas, que envolvem a experiência humana e a tradição.
Na obra, ele propõe que se adote uma abordagem que una raciocínio formal (como lógica e matemática) ao raciocínio informal — mais flexível, baseado em intuições e contextos históricos. A junção dos dois pode, segundo ele, oferecer critérios mais robustos para avaliar se a existência de Deus explica realmente o mundo.
Ao final do livro, Leão XIV defende uma imagem mais “forte” e pessoal de Deus — um Deus que dá sentido à vida e orienta os valores humanos.
Em 1992, Prevost voltou ao debate entre fé e ciência com um artigo no Journal of Church and State. Nele, analisou como essa tensão se desenvolveu nos Estados Unidos ao longo do século XX.
Observou que explicações religiosas muitas vezes lideravam o debate público, até serem substituídas por modelos científicos mais aceitos pelo Estado. Esse processo, argumenta, acabou empurrando a religião para as margens do discurso público, repercute o g1.
Prevost alertava para os riscos desse deslocamento. Segundo ele, ao privilegiar somente a ciência, o Estado poderia transmitir a ideia de que apenas o conhecimento científico tem valor — o que ignora a relevância das crenças religiosas na formação da identidade e da cultura das pessoas.
Por isso, já em 1992, o agora papa defendia que as escolas tratassem esses temas com equilíbrio. Sim, ensinar ciência é essencial. Mas também é fundamental reconhecer a importância da fé na experiência humana.