Obra máxima da música sacra argentina, consequência direta do Concílio Vaticano II, será apresentada em Santos – São Paulo
*Valdo Resende Publicado em 29/11/2024, às 11h26
João XXIII surpreendeu o mundo ao conclamar em 1961 o Concílio Vaticano II. O encontro do clero revolucionou ao permitir atos litúrgicos nas línguas vernáculas. Os fiéis católicos habituados ao latim puderam enfim rezar e cantar em seus próprios idiomas. O pianista e compositor argentino Ariel Ramirez não perdeu tempo. Antes mesmo do término do Concílio, em 1965, ele criou a Misa Criolla para os eventos do Natal de 1964. A obra continua aclamada mundialmente.
Criollo (que vem de criar, criado) é palavra que designa indivíduos de origem hispânica nascidos nas colônias espanholas. Ao criar a missa cantada, forma tradicional da música sacra, o compositor argentino somou à estrutura europeia o universo sul-americano. Cada parte da música contempla um ritmo e uma região do país. O resultado é uma genial mistura que mexe profundamente com o receptor, trazendo a ancestralidade musical da América do Sul.
As cinco partes cantadas da missa ficaram assim: O Kyrie foi composto no estilo baguala-vidala, comum na região de Tucumán, e o Gloria é um Carnavalito típico dos Andes. Já o Credo é uma Chacarera trunca, da região de Santiago del Estero, o Sanctus remete ao carnaval da região de Cochabamba, e a obra é concluída com o Agnus Dei, em estilo Pampeano, de La Pampa, região também homenageada pelo compositor. Os textos litúrgicos foram traduzidos pelos padres Alejandro Mayol e Jesus Gabriel Segade.
Durante uma estadia na Alemanha, em Wolfsburg, na década de 1950, Ariel Ramirez conheceu duas irmãs que contaram ao compositor sobre um campo de concentração nazista. Ele estava hospedado e se comoveu com a história da colaboração das irmãs para com as vítimas presas no local. Foi como homenagem às duas mulheres, Elizabeth e Regina Brückner, que ele pensou em uma missa cantada, acrescentando à ideia os ritmos da região onde ele nasceu. Pouco mais de uma década depois, o trabalho foi finalizado.
Um disco gravado em 1964 pelo grupo Los Fronterizos, com o coro da Basílica del Socorro, e direção do próprio Ariel Ramirez, teve sua tiragem rapidamente esgotada: 2000 discos em um dia! Verdade ou folclore, o fato é que partindo dali a obra principal, Misa Criolla, ganhou o mundo.
O primeiro concerto público ocorreu em 1967, na Alemanha, em Düsseldorf. Após extensa carreira em concertos pelos cinco continentes, a obra foi gravada pelo tenor José Carreras, em 1988, e por Mercedes Sosa, em 2000. Os registros tiveram grande sucesso com milhões de discos e cds vendidos.
Ariel Ramirez (1921-2010) é natural de Santa Fé. Pianista, compositor e regente, seu trabalho se destaca para além do aspecto crítico e musical, pelo amplo conhecimento de sua terra e sua gente. Conhecimento que se deu em constantes e intensas viagens, granjeando em sua jornada amigos como Atahualpa Yupanqui e Félix Luna, este o autor da letra de Navidad, o “outro lado” do disco que lançou Misa Criolla. Como músico e concertista levou seu trabalho por toda a Europa e América e deixou um vasto repertório, constituindo-se em um dos principais artistas de seu país.
Santos e São Vicente têm tradição musical que remonta ao período colonial, quando na região viveram músicos como o Frei Jesuíno do Monte Castelo. Além de composições sacras, Frei Jesuíno nos legou pinturas que ainda hoje adornam templos santistas. Todo o histórico desse período, somado aos séculos posteriores, foi tema de palestras proferidas pelo Maestro Ricardo Cardim, curador da Série Concertos Ibero-Americanos, no Sesc-Santos.
A admiração dos brasileiros por essa obra pode ser comprovada em diversas montagens que ocorrem no país. Um grande evento em Santos, no litoral paulista, iniciado em junho passado, terá seu ápice com a Misa Criolla no encerramento da série Concertos Ibero-Americanos no Teatro do Sesc Santos. Do concerto constam obras de Juan Gutiérrez de Padilla, Alberto Ginastera e, entre outros, Ariel Ramirez.
O projeto, idealizado e com curadoria do Maestro Ricardo Cardim, percorreu diversos templos religiosos de Santos e São Vicente, apresentando a diversidade do repertório sacro ibero-americano. Cobrindo períodos que remetem à chegada do europeu nas américas, vindo até o período contemporâneo, os concertos apresentados contaram com canto coral e grupos de instrumentistas. O encerramento será neste 30 de novembro no palco do Teatro do Sesc-Santos.
A Misa Criolla será a última peça da série e finaliza o concerto no Sesc-Santos. Sob a regência do Maestro Cardim mais de cinquenta pessoas estarão em cena. Para os solos foram convidados os tenores Marcus Vinícius Moura Loureiro e Silas Silva. Eles serão acompanhados pelo Madrigal Ars Viva, pelo Coro Livre da Baixada e por um conjunto instrumental convidado para o evento, formado por Fábio Ferreira (contrabaixo), Felipe Ramos (violão), Guilherme Nascimento (percussão), Gustavo Albuquerque (alaúde, violão) Rafael y Castro (percussão), Sônia Domenighi (piano), Tadeu Romano (bandoneon), Wilson Melo (flauta) e Júlio Cesar (percussão).
*Valdo Resende é mineiro de Uberaba, MG e reside em Santos-SP, onde tem a honra de cantar sob a regência do Maestro Cardim no Madrigal Ars Viva. Mestre em Artes Visuais e escritor, é autor de “dois meninos – limbo” e “O Vai e Vem da Memória”.
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