O escritor Rodrigo Alvarez discute os mistérios em torno da figura de Maria, explorando as contradições históricas e a construção de sua imagem
Gabriel Marin de Oliveira, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 01/12/2024, às 11h00
Maria, mãe de Jesus, é um dos ícones mais reconhecidos e reverenciados da história da humanidade. Mas, por trás da imagem idealizada e muitas vezes romantizada, existe uma mulher real, que viveu num contexto histórico e social específico.
Em nova edição de "Maria", o escritor Rodrigo Alvarez mergulha nas complexidades da vida de Maria, desafiando visões tradicionais e apresentando uma perspectiva histórica e crítica.
Ao longo da obra, o autor explora os desafios de pesquisar e escrever sobre Maria, uma figura que, apesar de sua importância central no cristianismo, possui uma presença relativamente pequena nos textos bíblicos.
A escassez de informações concretas sobre sua vida abre espaço para diversas interpretações e construções históricas, muitas vezes contraditórias.
"Escrever sobre a mãe de Jesus é, inevitavelmente, lidar com visões diversas e, muitas vezes, opostas", afirma o autor ao site Aventuras na História. "Minha pesquisa é histórica e a História é feita de contradições. Portanto, eu preciso evidenciar essas contradições no livro."
Rodrigo Alvarez destaca a importância de analisar Maria não apenas como uma figura religiosa, mas também como uma mulher que viveu em um contexto social específico, marcado por desigualdades e restrições. O autor enfatiza o impacto histórico de Jesus e o papel de sua mãe nesse contexto:
"A importância histórica de Maria é ter gerado o homem mais importante de todos os tempos. Ninguém como seu filho teve tanto impacto sobre a nossa sociedade, não só religioso, mas também filosófico, político e, em todos os aspectos, cultural", enfatizou.
Um dos pontos mais intrigantes sobre a figura é a questão da virgindade perpétua de Maria. O autor demonstra como essa crença, presente no imaginário popular, não era consenso entre os primeiros cristãos e como sua construção foi influenciada por debates teológicos e sociais.
"Esse é um debate que surge dentro do cristianismo já no século 2, e vai ser uma das primeiras vezes em que Maria vai estar no centro de uma discussão que criará rachaduras no cristianismo".
"Tertuliano, por exemplo, dirá que não acha possível Maria ter continuado virgem depois do nascimento de Jesus", destaca o autor. "Então, como esposa, ela estava sob a própria lei da 'abertura do útero'."
Outra questão abordada é a existência dos 'irmãos de Jesus'. O autor discute os registros que sugerem a possibilidade de Maria ter tido outros filhos.
"A ideia de que Jesus teve irmãos é afirmada nos evangelhos assim como nas epístolas e em textos cristãos que, mesmo não tendo sido canonizados, foram incorporados à tradição cristã. Aparece também em textos não-cristãos. A realidade é que o questionamento à ideia de que Jesus teve irmãos é que é um fato posterior, algo que em nada preocupou o apóstolo Paulo ou qualquer um dos quatro evangelistas. Portanto, somos levados a pensar que, sim, Jesus deve ter tido irmãos. Se eram filhos de Maria, não nos informaram", explica ele.
"Mas aí entramos numa discussão ainda mais complicada porque, se eram filhos 'apenas' de José, isso nos informaria que Tiago, José, Judas e Simão não eram irmãos biológicos de Jesus, ou que Jesus era filho biológico de José – e essas duas afirmações teriam implicações muito relevantes. Chegou a surgir uma teoria de que esses irmãos eram primos, pois a palavra grega usada nos manuscritos 'adelphos' permitiria essa conotação, mas essa tese precisa de muito esforço para parecer verdadeira, e cai rapidamente quando vemos que os evangelistas não nos disseram que João Batista era 'adelphos' de Jesus. Se fosse o caso, o Batista também teria sido nos apresentado como irmão de Jesus, assim como os outros? Muita coisa não se encaixa bem nessa tese", continua ele.
O escritor também fala sobre a dificuldade de não considerar escrituras e livros não-cristãos sobre o tópico.
"Vale ressaltar que muitos documentos cristãos dos primeiros séculos nos informam que o sucessor de Jesus no comando de sua congregação foi seu irmão Tiago, também chamado de bispo dos bispos. E isso se soma ao poderoso texto não-cristão de Flávio Josefo que, ao relatar a morte de Tiago em suas Antiguidades Judaicas, se refere a ele como 'o irmão de Jesus, a quem chamam Cristo'. Então, mesmo que não possamos dizer que Maria teve outros filhos é difícil desconsiderar as escrituras e os livros não-cristãos quando elas afirmam por diversas vezes que Jesus teve irmãos".
Ao resgatar a história de Maria, Rodrigo Alvarez convida o leitor a uma reflexão sobre a construção de mitos e a importância de questionar as narrativas dominantes. A obra se dirige tanto a leitores interessados em história e religião quanto àqueles que buscam uma compreensão mais profunda da figura de Maria e de seu papel na história do cristianismo.
"Entender Maria é entender Jesus. E se depois de 2.000 anos nós continuamos debatendo Jesus é por que ele teve um impacto sem qualquer precedente na história humana. Entender sua mãe, e o que fizemos da história dela, é fundamental para entender quem somos como humanidade", finalizou o autor.
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